Cancro da tiróide aumentou 30 vezes após desastre de Fukushima, diz estudo

Trabalho resulta do despiste de cancro a pessoas com 18 anos ou menos, depois do acidente nuclear de Fukushima, no Japão, em Março de 2011. Há quem aponte limitações do estudo e rejeite os resultados.

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Um médico faz o exame à tiróide a uma criança de quatro anos após o acidente de Fukushima Damir Sagolj/Reuters

Um estudo levado a cabo pela Universidade de Okayama, no Japão, defende que houve 30 vezes mais casos de cancro da tiróide na população com 18 ou menos anos entre 2011 e 2014 na região de Fukushima, no Japão. Este aumento, segundo a equipa, está relacionado com o acidente da central nuclear de Fukushima, a 11 de Março de 2011, que se sucedeu a um enorme tsunami causado por um sismo de nove graus na escala de Richter.

As conclusões do trabalho, publicado agora online na revista Epidemiology, não são aceites por todos os cientistas. Segundo algumas das críticas, poderão dever-se ao chamado “efeito de amostragem”. Ou seja, como houve, de repente, um aumento enorme de pessoas que foram alvo da despistagem desta doença, será natural que se tenham detectado mais casos do que o normal. Mas a equipa autora do estudo diz, por sua vez, que o aumento é tão grande que não pode ser explicado apenas pelo efeito de amostragem.

O acidente nuclear da central de Fukushima, a 11 de Março de 2011, foi completamente inesperado. As ondas que chegaram àquela região após o sismo, com epicentro a 180 quilómetros da costa, no Nordeste do Japão, tinham entre 13 e 15 metros. O muro junto ao mar que protegia a central não chegava aos seis metros acima do nível das águas.

Por isso, a água do mar entrou terra adentro e inundou a cave da central nuclear. O sistema de arrefecimento dos reactores deixou de funcionar, o que resultou no descontrolo dos reactores. A central libertou nuvens de vapor radioactivo e água com elementos radioactivos.

Na altura, foram retiradas cerca de 110 mil pessoas, num raio de 20 quilómetros em torno da central. Mais tarde, a zona de segurança foi alargada para 30 quilómetros. Ao todo, cerca de 160 mil pessoas abandonaram as suas casas. Ainda hoje, ninguém pode entrar naquela área de 20 quilómetros à volta da central, uma região onde a natureza voltou a invadir as estradas.

Desta fuga de radiação da central libertaram-se isótopos radioactivos de iodo e césio, que têm o potencial de provocar cancro da tiróide após a ingestão de alimentos radioactivos ou a inalação de poeiras radioactivas. Devido a acidentes nucleares passados, como o de Tchernobil, em 1986, sabe-se também que o desenvolvimento de tumores depois destes acidentes é mais rápido nas crianças do que nos adultos.

De qualquer forma, em 2013, um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) dizia que as crianças que tinham sido expostas à radiação vinda da central de Fukushima corriam um risco ligeiramente superior de virem a sofrer cancros como leucemia, cancros da tiróide ou da mama, comparando com a população em geral.

Os novos resultados contrastam com os da OMS. A análise não nasceu de um objectivo directo para se testar se a radiação estava a provocar mais cancros. Foi, antes, um serviço de saúde oferecido à população potencialmente exposta à radiação para tentar prevenir a doença.

A Faculdade de Medicina da Universidade de Fukushima iniciou, a partir de 2011, os testes à população com 18 ou menos anos de idade que vivia na prefeitura de Fukushima na altura do acidente. Até 2013, foram testadas 370.000 pessoas. Destas, 86 tinham cancro da tiróide. Em 2014, começou uma segunda vaga de análises que terminará só em 2016, mas que já detectou alguns novos casos de cancro da tiróide.

“Isto é mais do que se esperava e está a emergir mais rápido do que o que se esperava”, defende Toshihide Tsuda, o líder do estudo, à agência Associated Press (AP). A equipa comparou estes valores com a média de tumores em crianças e jovens no Japão na década passada. “Há cerca de 30 vezes mais (...) cancro da tiróide”, lê-se no artigo.

Um dos problemas do estudo é que não houve uma medição da radiação em cada indivíduo. É, por isso, impossível ligar directamente um cancro individual à exposição à radiação. “O estudo tem limitações, incluindo a medição individual das doses de radiação e a capacidade de avaliar totalmente o impacto do número de pessoas analisadas em relação ao excesso de casos detectados”, defende Andrew Olshan, do Departamento de Epidemiologia da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, que não esteve ligado ao estudo. “No entanto, o trabalho é muito importante para iniciar investigações adicionais dos possíveis efeitos na saúde, para o planeamento feito a nível governamental, e para aumentar a consciência do público”, diz o investigador, citado pela AP.

Também Shoichiro Tsugane, do Centro Nacional de Cancro do Japão, rejeita as conclusões do estudo. “A não ser que a informação sobre a exposição à radiação seja obtida, qualquer relação entre a incidência de cancro e a radiação não pode ser identificada”, defende, citado pela agência de notícias japonesa Kyodo.

No artigo, os cientistas consideram, como já referimos, que este aumento dos casos é “demasiado grande para ser explicado” pelo efeito de amostragem.

Segundo a AP, no caso de Tchernobil, em 1986, o cancro da tiróide em crianças foi completamente associado à radiação que se libertou do reactor nuclear. “Em Tchernobil, o excesso de cancro da tiróide foi mais marcado na Bielorrússia e na Ucrânia quatro a cinco anos após o acidente, por isso o excesso observado [no Japão] alerta-nos para estarmos preparados para mais casos nos próximos anos”, defendem os autores no artigo.

Se for tratado, o cancro da tiróide é raramente fatal, principalmente se a detecção for feita precocemente. No entanto, os doentes têm de tomar medicamentos para o resto da vida. 

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