David Sassoli: sorriso, liberdade, Europa

A defesa intransigente da liberdade e da solidariedade social foi uma constante das intervenções oficiais de David Sassoli, fossem elas preparadas ou espontâneas

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David Sassoli, 65 anos, morreu esta terça-feira EPA/JULIEN WARNAND

David Sassoli era afável, era delicado, irradiava simpatia. E estas notas da sua personalidade e do seu carisma precediam e dominavam o homem político. Elas explicavam o enorme talento para ouvir os outros, fazer pontes, promover entendimentos. Sassoli, para quem o conheceu em longas e suculentas charlas, sempre regadas pelo cigarro que precedia o cigarro seguinte, era um humanista. Um humanista, que fazia jus à história e tradição da Florença natal, da Florença alma mater. Um homem de cultura, cosmopolita, das artes, da filosofia e da religião, com um insaciável interesse pelo outro, pelos outros, pela alteridade. De postura elegante, ciente do inigualável charme italiano, conversava, com gosto e com medida, como um igual.

Os muitos anos de televisão, à frente dos mais importantes noticiários de Itália, fizeram dele um comunicador brilhante e subtil, brilhante porque comedido e subtil. Algo que nem sempre foi reconhecido em razão do escasso domínio de línguas estrangeiras, que obviamente limitava a percepção mais geral dessas qualidades.

A carreira jornalística mais do que justifica o apego inextricável à liberdade, de que deu provas abundantes enquanto Presidente do Parlamento Europeu. A defesa intransigente da liberdade e da solidariedade social foi uma constante das suas intervenções oficiais, fossem elas preparadas ou espontâneas. Cultivava estes valores como pilares daquilo a que chamava a “ética da responsabilidade”. Como lembrava amiúde: “Max Weber dizia que a política não tem uma moral, mas a política não pode prescindir de uma ética da responsabilidade”. À defesa da liberdade associava, como grande causa, a Europa. Era um europeísta convicto, crente na construção de uma verdadeira comunidade europeia. São deles as palavras de que “sem a Europa, a Itália seria hoje um país desesperado”. Mas também era dele a projecção de que, sem a Itália, a Europa seria impossível.

Quis o destino que o seu grande desafio fosse garantir o funcionamento pleno do Parlamento em tempos de pandemia, tempos hostis à democracia e ao normal devir institucional. Foi o motor de uma enorme e rápida inovação tecnológica, garantindo a possibilidade de trabalho à distância e assegurando a efectividade e viabilidade dos debates e votações. Teve de assumir a responsabilidade por decisões arriscadas, procurando o equilíbrio entre a normalidade democrática e as exigências de saúde pública. Este destino foi para ele motivo de mágoa e de alguma frustração, pois acabou a dedicar grande parte do mandato às exigências organizatórias postas pela pandemia. Mas devotou-se-lhes sempre com aquela que foi, de toda a vida a sua marca de água: o sorriso. O sorriso humanista de um eterno crente na liberdade humana.

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