Ex-embaixadora dos EUA na Ucrânia sentiu-se ameaçada por Trump

A Câmara dos Representantes está a tornar públicas as transcrições das testemunhas do processo de impeachment. O primeiro foi o de Marie Yovanovitch, que disse ainda temer retaliações do círculo próximo do Presidente norte-americano.

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A embaixadora Marie Yovanovitch Melina Mara/The Washington Post

A antiga embaixadora dos Estados Unidos na Ucrânia, Marie Yovanovitch, disse aos investigadores do impeachment do Presidente Donald Trump que se sente ameaçada, revela a transcrição do seu testemunho prestado na Câmara dos Representantes, revelada pelos democratas. A diplomata de carreira descreveu a primeira fase de uma campanha coordenada para pressionar o Presidente ucraniano a ordenar uma investigação a Joe Biden, que as sondagens apontavam como o principal rival democrata de Trump nas presidenciais de 2020, e como o advogado pessoal de Trump, Rudolph Giuliani, montou uma estratégia para a afastar da embaixada de Kiev no cargo por a ver como obstáculo. 

Numa audiência à porta fechada, a 11 de Outubro, a embaixadora admitiu aos investigadores ter ficado “muito preocupada” ao ler o resumo da conversa de Julho entre Trump e o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, em que o primeiro classificava como “más notícias” e dizia que ela “ia a passar por algumas coisas”. Este documento foi divulgado pela Casa Branca depois de a conversa ter sido denunciada por um elemento dos serviços secretos que a considerou prejudicial aos interesses nacionais norte-americanos.

A embaixadora afirmou ter sido alvo de uma estratégia para a afastar do cargo que ocupava. Por trás dessa campanha estava Giuliani, denunciou, que a via como um entrave aos seus negócios na Ucrânia e ao objectivo de prejudicar a campanha eleitoral de Biden nos Estados Unidos, lançando a suspeição de que ele e o seu filho Hunter se envolveram em práticas de corrupção naquele país. 

“Basicamente, foram pessoas do Governo ucraniano que me disseram que o senhor [Iuri] Lutsenko [então procurador-geral] estava a falar com Giuliani e que tinham planos”, afirmou, segundo a transcrição citada pelo Washington Post. Lutsenko estava na altura a ser pressionado por Washington para endurecer o combate à corrupção e tentava evitá-lo, esperando que a mudança de embaixadora pudesse aliviar a pressão, diz o Washington Post.

Giuliani e Lutsenko queriam fomentar a desconfiança de Trump em relação a ela e começaram a espalhar, conta a antiga embaixadora, falsas alegações “para a prejudicar”. Uma delas foi a de que teria entregue a Lutsenko uma lista com “nomes de pessoas a não acusar” para proteger governantes ucranianos corruptos. E quando a embaixada dos EUA recusou dar um visto de entrada nos Estados Unidos a um procurador ucraniano, Viktor Shokin, por “conhecidas actividades de corrupção”, contou Yovanovitch, Giuliani informou a Casa Branca de que Shokin tinha sido impedido de revelar a “corrupção na embaixada norte-americana, incluindo da embaixadora”. 

Ao mesmo tempo, continua a diplomata, Lutsenko continuava a pedir-lhe desesperadamente ajuda para se encontrar com membros do gabinete de Trump na esperança que a Casa Branca apoiasse o então Presidente ucraniano e candidato a um segundo mandato, Petro Poroshenko, contra Volodimir Zelensky. Yovanovitch recusou-o por não ser o processo habitual. 

Avisada para a situação e sem saber como proceder aos ataques que sofria, Yovanovitch procurou conselhos junto do embaixador dos EUA na União Europeia, Gordon Sondland. E, segundo a diplomata, este disse-lhe que ela “sabia do que Trump gostava": um apoio público elogioso e a negação das acusações no Twitter. A embaixadora recusou-o por entender que isso desrespeitaria o cargo que exercia. 

Yovanovitch também pediu ajuda ao Departamento de Estado, liderado por Mike Pompeo, para suster os ataques, e pouca ajuda lhe deu. Pompeo recusou-se a emitir um comunicado a apoiá-la por, disse a embaixadora, temer que um mero tweet de Trump o prejudicasse.

A posição da embaixadora continuou a degradar-se e acabou por perder a confiança do Presidente norte-americano. Dois meses depois de os ataques começarem, Trump ordenou o regresso imediato de Yovanovitch a Washington e disse-lhe que tinha “perdido a confiança” nela, referindo que a sua continuação no cargo era “insustentável”. Foi afastada.

Um dos momentos de maior medo para Yovanovitch foi quando recebeu ordem de regresso para Washington. Um responsável do Departamento de Estado disse-lhe, num tom críptico, para apanhar o próximo avião que descolasse de Kiev para sua própria “segurança”, e assim fez. Mais tarde, contudo, a diplomacia norte-americana explicou que a ameaça não era física, e sim por se temer que Trump a atacasse publicamente no Twitter – o chefe de Estado é conhecido pelos seus ataques, inclusive o comunicar de demissões de membros do Governo, na rede social. 

Sem duvidar de ter sido alvo de uma estratégia montada por Giuliani, a embaixadora apresentou-se aos investigadores da Câmara dos Representantes como um obstáculo aos intentos do advogado de Trump por conhecer as suas acções. Arsen Avakov, ministro do Interior do recém-eleito Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, disse-lhe que tinha sido contactado por Giuliani e que era “perigoso a Ucrânia ser arrastada para a política doméstica norte-americana”, num momento em que o advogado de Trump tentava desenterrar podres de Biden. E, continuou o ministro, o advogado pessoal de Trump estava determinado em afastá-la do cargo e aconselhou-a a “ter cuidado”.

A determinação de Giuliani, garantiu a embaixadora, estava em oposição directa aos esforços norte-americanos no apoio ao combate à corrupção na Ucrânia. O testemunho de Yovanovitch descreveu a primeira fase do que viria a ser uma campanha coordenada para pressionar o Presidente ucraniano a ordenar uma investigação a Biden, diz o Washington Post

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