Optimismo e expectativa no arranque do Vinhos de Portugal em São Paulo
Foram oito mil os visitantes que durante três dias passaram pelo Vinhos de Portugal no Rio para provar vinho português. Agora, os mesmos produtores, aos quais se juntam outros vindos de Portugal, estão de malas feitas para São Paulo, o maior e mais promissor mercado do Brasil
Depois de terem passado três dias no Rio de Janeiro a apresentar os seus vinhos às oito mil pessoas que, entre 1 e 3 de Junho, passaram pelo CasaShopping, na Barra da Tijuca, dezenas de produtores portugueses fizeram as malas e voaram para São Paulo, onde o Vinhos de Portugal em São Paulo começa dia 8. O evento, que nesta sua quinta edição no Rio (segunda em São Paulo) é já a maior mostra de vinhos portugueses ao consumidor final realizada fora de Portugal, é organizado pelos jornais PÚBLICO, de Portugal, e, no Brasil, O Globo, Valor Económico e Revista Época, em parceria com a ViniPortugal. Em São Paulo, o evento vai ter lugar no shopping JK Iguatemi.
Os produtores que participam nos dois eventos aproveitam os dias de intervalo para fazer contactos com importadores, restaurantes ou garrafeiras e para consolidar a sua presença no mercado brasileiro. Mas há outros que vêm agora de Portugal – em São Paulo serão 84 (no Rio foram 79), o que significa um aumento de 19 produtores em relação ao ano anterior. Um deles, que fará a sua estreia no evento (onde tinha os vinhos representados, mas não tinha ainda vindo pessoalmente), é Domingos Soares Franco, da José Maria da Fonseca. Outros que vêm propositadamente para São Paulo são, por exemplo, a Caminhos Cruzados (Dão), Adega Mãe (Lisboa), Quinta do Ameal (Vinhos Verdes), Rui Roboredo Madeira (multi-regional), entre outros.
A programação é semelhante à do Rio, com sessões do mercado de vinhos todos os dias, organizadas por slots de duas horas, e muitas provas especiais, com críticos de vinhos de Portugal e do Brasil e com o Master of Wine brasileiro Dirceu Vianna Junior. E ainda, na área de convivência, as sessões Tomar um Copo, que terão em São Paulo duas novidades: a presença do chef português Vítor Sobral, que tem restaurantes nesta cidade, e da cantora e compositora Adriana Calcanhotto, embaixadora da Universidade de Coimbra, que fará quatro sessões com o arqueólogo e professor Pedro Carvalho, conversando sobre as origens da produção de vinho em Portugal e o papel dos romanos.
Se o Rio é um mercado de certa forma mais fácil de trabalhar, onde a relação do público com Portugal tem raízes afectivas muito profundas, São Paulo é um desafio maior que promete um prémio maior: em causa estão consumidores com um poder de compra superior, mais informados e em maior número. O produtor Dirk Niepoort ficou surpreendido com o que encontrou no Rio e isso moldou a expectativa que tem relativamente a São Paulo. “Nota-se uma grande diferença do ano passado para este”, diz. “Há mesmo alguma coisa que está a acontecer e penso que este evento tem um peso muito grande nesta evolução quase impensável. Tornou-se um evento de referência e Portugal está a lucrar brutalmente com isso.”
Reconhece que, sobretudo no Rio, a instabilidade política e económica que se vive no Brasil tem efeitos no estado de espírito das pessoas. “A situação não está bonita e isso nota-se, mas diria até que o evento é um momento de descontracção e de esquecer um bocadinho os problemas.” Com eleições marcadas para Outubro, ninguém prevê exactamente o que poderá acontecer. “Nota-se que as pessoas estão de saco cheio. Mas o facto de a situação estar tão desmotivante, leva-as a querer conhecer outras coisas, outras realidades, e Portugal, pela história, pela língua, é o país mais próximo e assim o primeiro passo que dão é ir a Portugal.”
Por outro lado, sublinha, há uma evolução muito grande no conhecimento que as pessoas demonstram: “Parecem-me muito mais interessadas, mas acima de tudo mais conhecedoras, fazem perguntas mais interessantes, mais profundas. O evento parece ter uma função didáctica e devo confessar que nunca tinha pensado nele nesse prisma. As pessoas não vêm só para beber, mas para conversar, ouvir, fazer perguntas”, refere o produtor que faz vinhos no Douro, na Bairrada e no Dão.
E se as taxas aplicadas ao vinho português (que, apesar disso, este ano já ultrapassou a Argentina em volume nas exportações para o Brasil, ocupando o segundo lugar, depois do Chile) continuam a “criar um impasse muito grande”, obrigando a que os preços sejam altos, Dirk Niepoort considera que “as pessoas estão a comprar vinho barato mas não estão a comprar menos”, o que é encorajador.
António Lopes Ribeiro, da Casa de Mouraz, no Dão, é outro produtor que esteve no Rio e que está a caminho de São Paulo. Regressou ao Vinhos de Portugal no Brasil este ano, depois de, por razões pessoais, ter estado ausente nos últimos dois anos. “Estar aqui pessoalmente é totalmente diferente. Vejo alguns stands onde estão pessoas que não são os produtores e não funciona da mesma maneira. O produtor estar aqui é dar a cara, sobretudo alguém que é viticultor como eu e trabalha toda a cadeia, da produção ao comércio. Eu tenho resposta para todas as perguntas que me fazem, não há nada neste processo a que eu não saiba responder.” A isso soma-se a oportunidade de ouvir os consumidores e de “perceber como é o país e o mercado, que vinhos se adaptam melhor”.
Está aqui depois de um ano particularmente difícil, em que os incêndios de 15 de Outubro lhe destruíram grande parte da vinha – e praticamente o mataram. “Não morri por mero acaso. Houve uma laje de cimento que caiu em cima de mim e de outras pessoas. Saíamos de lá magoados mas vivos.” Por causa disso, olha hoje para as videiras queimadas com outros olhos. “Aquelas plantas que sobreviveram, mesmo que sejam só algumas no meio da vinha, vou fazer tudo para as deixar, não vou ser eu a cortá-las. Se nós sobrevivemos e elas sobreviveram, estamos juntos no mesmo barco, elas dependem de mim de certa maneira, mas eu também dependo delas, e isto é uma espécie de agradecimento.”
No Brasil, alguns já o reconhecem como produtor orgânico e biodinâmico e esse é um nicho de mercado interessante, mais desenvolvido em São Paulo do que no Rio. Mas, conta António, o que mais surpreende as pessoas com quem tem conversado são pormenores como o facto de trabalhar com vinhas com muitas variedades de castas misturadas. “Tenho um vinho com 15 variedades, outro com 20 e outro com 30. É uma vinha velha, está tudo misturado, para eles é algo estranho e perguntam-me como é que consigo. Eu explico que não tem nada de estranho, sempre se fez assim, o equilíbrio já está feito na vinha, que não é uma construção minha, já o meu avô fazia os vinhos assim.” Acredita que são histórias como esta que representam um verdadeiro “factor de diferenciação” para os vinhos portugueses e que é preciso contá-las – só assim as pessoas que provaram dezenas de vinhos diferentes vão levar na memória aquele em particular.