Alunos dos PALOP em Portugal chumbam três vezes mais do que portugueses no 1.º ciclo

Taxas de reprovação dos alunos dos PALOP em Portugal são de 16% e dos portugueses de 5%. Taxas de encaminhamento para vias vocacionais no secundário atingiram quase 80%. Estudo revela "dimensão brutal da desigualdade"

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Resultados do estudo mostram “a dimensão da desigualdade” nas escolas portuguesas Rui Gaudêncio

As taxas de reprovação de alunos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) em Portugal são três vezes superiores às dos alunos portugueses no 1.º ciclo. São quase o triplo no 2.º ciclo, o dobro no 3.º ciclo e o dobro no ensino secundário nas vias gerais.

Esta é a conclusão de uma análise dos sociólogos Cristina Roldão e Pedro Abrantes, investigadores do CIES-IUL (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa). Os resultados do trabalho Os afro-descendentes no sistema educativo português vão ser apresentados esta quarta-feira, dia 27, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no âmbito dos Encontros Mensais sobre Experiências Migratórias.

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O estudo mostra que as taxas de reprovação dos alunos com nacionalidade de qualquer um dos países dos PALOP no 1.º ciclo são de 16% e dos portugueses de 5%; no 2.º ciclo são de 28% versus 11%; no 3.º ciclo de 32% versus 15% e no secundário de 50% versus 20%. Os sociólogos tiveram como base as estatísticas fornecidas pelo Ministério da Educação. Os dados são sobretudo de 2013/2014 mas o período temporal analisado, a partir de 2008/2009, não registou variações expressivas neste quadro, explica Cristina Roldão. Em termos brutos, o total de alunos dos PALOP de 2013/2014 é de 18255: no 1.º ciclo 2940, no 2.º ciclo 2558, no 3.º ciclo de 4773 e no secundário de 7984.

Outro dado que assinala diferenças — o mais preocupante para a investigadora — surge nas taxas de encaminhamento para vias vocacionais que, no ensino secundário, entre 2013/2014, atingiram quase 80% dos alunos dos PALOP (era de 60% entre 2008/2009). Este valor representa o dobro do dos portugueses. E no 3.º ciclo chegaram aos 22%, o triplo do dos portugueses. “Mostra uma desigualdade muito forte e um vazamento destes miúdos para os cursos profissionais”, comenta a socióloga. “Quase todos os jovens de nacionalidade de um dos PALOP vão para os cursos profissionais. E depois, dos 20% que vão para os cursos gerais, metade sofre reprovação no ensino secundário. São trajectos bloqueados”, analisa.

Já nas taxas de acesso ao ensino superior (dados de 2011 do Censos) regista-se 34% nos portugueses e metade (16%) nos PALOP — um dado que, quando são retiradas as nacionalidades angolana e moçambicana, de onde veio grande parte de retornados e que poderiam distorcer os resultados, desce para um número ainda maior: cinco vezes. Neste caso, o indicador é étnico-nacional e construído com base na nacionalidade e naturalidade do próprio e/ou dos pais. Os resultados mostram “a dimensão da desigualdade”, tornam-na “bastante visível”, diz. “A dimensão é brutal.” 

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Racismo e laissez-faire

Há várias hipóteses explicativas para estes resultados, muitas delas terão que ser alvo de pesquisa no futuro, sublinha Cristina Roldão, que planeia aprofundar este tema em pós-doutoramento. Mas parece-lhe que existe “um efeito de segregação e de excesso de punição destes jovens”, afirma. “Há quem diga que é por causa das questões da língua, há quem diga que é por causa da classe, que é porque vivem em contextos territoriais segredados e há um efeito de marginalização muito forte. Mas é preciso ir ver.”

O facto de estes jovens virem de classes sociais desfavorecidas e portanto ser “expectável que tenham mais reprovação porque em termos relativos, entre a população dos PALOP, há mais gente com menos recursos”, é uma das explicações que se avançam. Porém, acrescenta, é preciso analisar o efeito punição: “Há três vezes mais taxas de reprovação no 1.º ciclo dos alunos PALOP, quando existem indicações de que a reprovação no 1.º ciclo deve ser excepcional porque se defende que não deve marcar os alunos — sabemos que tem um impacto muito negativo no trajecto do aluno, porque transporta isso e há um cadastro escolar que vai circulando por onde ele for.”

Para a investigadora é importante introduzir a questão do racismo na equação, raramente abordada: “Nestas análises refere-se o capital cultural das famílias, que não falam português — e que é importante, mas não pode levar a estas diferenças. Tem que se introduzir a questão do racismo porque acho que há um laissez-faire com estes alunos. Se estivesse a acontecer com portugueses teriam sido tomadas medidas. 80% dos alunos dos PALOP vão para cursos profissionais no ensino secundário, o que quer dizer que não estarão preparados para entrar no ensino superior. Como é que se deixa isto acontecer?” 

Para o estudo foram feitos cálculos com base na nacionalidade e naturalidade dos jovens, já que não há forma de desagregar dados de acordo com a origem étnica e racial, pois a lei portuguesa não o permite, ao contrário do que acontece, por exemplo, no Reino Unido ou Estados Unidos. De fora destas análises ficam, assim, afro-descendentes que têm nacionalidade e naturalidade portuguesas.

Portuguesa e descendente de cabo-verdianos, Cristina Roldão critica a ausência de desagregação de dados sobre minorias neste caso, sobretudo quando se conhecem os riscos de segregação.

Quantos somos nos Censos 2011, questiona? Um por cento da população residente de nacionalidade PALOP (quase 10 mil), 3% de naturalidade PALOP (345 mil) e um ponto de interrogação na origem étnico-racial negra, responde o estudo.

“Vamos ter uma terceira geração que desaparece completamente das estatísticas”, alerta Cristina Roldão. “E o mesmo se passa com os brasileiros negros, que estão há muitos anos em Portugal, e com os africanos e descendentes de não PALOP. Vai haver uma população negra de quem não vamos conseguir aproximar-nos”, conclui.        

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