A ocupação armada dos irmãos Bundy começou porque as chaves estavam lá

Operação novelesca está a cargo de uma milícia improvisada e dura já há três dias num edíficio federal nos confins do Oregon. Grupo armado quer entregar terras do Estado a rancheiros.

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Os ocupantes taparam os sinais do Governo com bandeiras dos Estados Unidos. Jim Urquhart/Reuters

Momentos depois de um protesto pacífico de cerca de cem rancheiros numa zona rural e isolada do Oregon, no Oeste dos Estados Unidos, um grupo de activistas anti-governo pediu a quem se quisesse erguer contra o poder de Washington que tomasse com eles um edifício público. Estava-se no início da tarde de sábado e o espaço da agência estatal que gere os terrenos públicos no condado de Burns estava encerrado e vazio. Cerca de 25 pessoas ocuparam a pequena cabine com armas, carros e mantimentos. Estão lá há já três dias e prometem não sair antes de “devolverem a terra às pessoas”. Nem que isso leve anos.  

O grupo diz ser uma milícia, tem armas pesadas e o seu líder, Ammon Bundy, oscila entre dizer que as pessoas estão prontas para se defenderem caso a polícia os tente expulsar ou, como na conferência de imprensa que convocou domingo, afirmar que “não somos uma ameaça a ninguém”. As autoridades locais dizem que estão a seguir o caso, mas, até ao início da tarde desta segunda-feira, parecem não ter feito muito mais do que anunciar publicamente que os ocupantes estão a “tentar derrubar o governo federal e do condado na esperança de despertarem um movimento nos Estados Unidos”.

Ammon é filho de Clive Bundy, rancheiro que em 2014 se transformou por momentos no ídolo da comunidade rural e conservadora que nos Estados Unidos defende uma exploração sobretudo privada de terrenos para pastoreio e agricultura. A norma é acontecer o contrário: grande parte do território é de domínio do Governo federal – não do estado, ou da localidade– e os rancheiros pagam licenças para pastarem o seu gado. É isto que acontece no Oregon, onde em algumas zonas, como no condado de Burns, quase 90% do terreno pertence ao Estado. A autodesignada milícia de Ammon Bundy quer mudar isso.

“Estamos aqui porque têm abusado da população o quanto baste, as suas terras e recursos foram-lhes retirados a um ponto que os está a pôr literalmente na pobreza”, disse Ammon Bundy aos jornalistas a que falou diante a pequena casa de madeira que o seu grupo ocupa. “Este refúgio [a zona é também um santuário de observação de aves] é propriedade legal do povo e nós pretendemos usá-lo.”

A dita milícia promete ajudar os rancheiros, caçadores e residentes a usarem terrenos do Estado sem pagarem licença, embora não seja evidente como o podem fazer. Foi com este tipo protesto que Clive Bundy ficou conhecido. Recusou-se a pagar licenças ao Governo, a retirar as suas cabeças de gado de terrenos públicos e ainda ameaçou disparar sobre a polícia que tentasse intervir. As autoridades recuaram e Clive foi recebido em braços pela população rural que vê o Governo como uma instituição intrusiva, comandada pelos estados mais populosos do Leste.

Dois filhos de Clive – que caiu das graças dos conservadores ao defender a escravatura – participam na ocupação da agência do território em Burns. Nem todas as pessoas estão armadas, mas algumas patrulham a entrada para o terreno com espingardas automáticas. Há um atirador furtivo na torre de observação de aves, como mostram as fotografias tiradas por jornalistas a quem foi dada uma curta visita guiada ao exterior do edifício. A milícia assegura que nada foi danificado e que conseguiram entrar por terem encontrado um conjunto de chaves. Os funcionários da agência governamental não foram trabalhar esta segunda-feira e as escolas do condado encerraram por receio de uma disputa com a polícia.  

Os Hammond e o terrorismo

O grupo que ocupou Burns esteve durante a manhã numa marcha de solidariedade a dois rancheiros residentes, Dwight e Steven Hammond, pai e filho condenados a novas penas de prisão por dois fogos ateados em 2001 e 2006. Os Hammond estiveram já presos pelos incêndios que se alastraram para terrenos do Estado. O pai, Dwight, de 73 anos, cumpriu uma pena de três meses e o seu filho de um ano. Mas os procuradores consideraram recentemente que deveriam passar mais quatro anos cada na prisão. A família Hammond disse não estar envolvida na ocupação em Burns e anunciou esta segunda-feira que Dwight e Steven estariam no estabelecimento penal até ao final do dia.  

O caso dos Hammond relaciona-se com a disputa sobre gestão de território: foram condenados por destruição de propriedade pública, mesmo dizendo que atearam um dos fogos para protegerem o seu terreno contra espécies de plantas invasivas e outro para se defenderem de incêndios que lavravam perto. Residentes e polícia do condado afirmam que a marcha foi pacífica e centrada na família, mas que o tom mudou quando pessoas de fora começaram a protestar contra o Governo e aquilo que dizem ser a violação da Constituição norte-americana.

A ocupação do edifício governamental de Oregon joga com várias sensibilidades norte-americanas. Algumas delas estão na resposta branda da polícia e nos termos usados nos media. Como é que é possível, perguntava-se domingo nas redes sociais, que um grupo de homens brancos armados norte-americanos invada um edifício sem que a polícia responda com severidade – como acontece desproporcionalmente em casos de pessoas de raça negra – ou que as televisões não os acusem de terrorismo ou violência?

O New York Times começou por designar o grupo como “activistas armados” e o Washington Post “ocupantes”. Nesta segunda-feira, este último diário explicava que, apesar de existir um “risco real de violência, ferimentos graves ou mesmo morte”, nada disto aconteceu ainda e não se justificava por enquanto o termo "terrorismo". Mas a jornalista Jannell Ross acrescentava também: “As descrições sobre os acontecimentos no Oregon parecem reflectir a estrutura habitual das presunções colectivas nos Estados Unidos acerca da relação entre raça e culpabilidade, ou religião e extremismo violento.”

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