Charlie Hebdo não voltará a publicar caricaturas de Maomé

Transformado num símbolo mundial da liberdade de imprensa, o semanário satírico tem recebido milhões de eurosem doações, para além de ter aumentado para 210 mil o número de subscritores e de estar a vender 100 mil em banca.

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A edição de 13 de Janeiro, que se seguiu ao atentado Martin Bureau/AFP

Mais de sete meses depois dos atentados que dizimaram a redacção do semanário satírico Chalie Hebdo em Paris, o novo director anuncia que a publicação francesa não voltará a publicar caricaturas do Profeta dos muçulmanos. “Desenhámos Maomé para defender o princípio de que se pode desenhar o que se quiser”, diz Laurent Sourisseau, defendendo que esse trabalho está feito.

Riss, como assina o também cartoonista, defendeu numa entrevista à revista alemã Stern que o Charlie Hebdo não foi monopolizado pela crítica aos fundamentalistas muçulmanos, como aqueles que estiveram por trás do ataque de 7 de Janeiro, que fez 12 mortos . “Os erros que apontamos ao islão também se encontram nas outras religiões”, diz, e o jornal tem o direito de criticar “todas as religiões”.

“Fizemos o nosso trabalho. Defendemos o direito à caricatura”, concluiu Riss. “É estranho, espera-se que exerçamos uma liberdade de expressão que mais ninguém se atreve a exercer."

O anúncio do fim das caricaturas de Maomé nas páginas do Charlie Hebdo segue-se à decisão do principal cartoonista do semanário, Luz, de não voltar a desenhar o Profeta e de abandonar o jornal.

É de Luz a primeira página que se seguiu aos atentados, onde Maomé surgia com um cartaz onde se lia “Je Suis Charlie” (Eu Sou Charlie), o slogan adoptado um pouco por todo o mundo em solidariedade com as vítimas, debaixo da frase “tudo está perdoado”. Foram impressos oito milhões de exemplares, quando o jornal vendia habitualmente 60 mil.

Essa edição chegou às bancas uma semana depois do ataque de dois irmãos muçulmanos radicais que queriam vingar as repetidas caricaturas do seu Profeta publicadas pelo jornal, que já tinha sido alvo de um ataque e de muitas ameaças.

Nessa manhã de Janeiro, quando a redacção estava na primeira reunião de edição do ano, os irmãos Cherif e Saïd Kouachi irromperam armados pelo edifício e mataram Charb, o director, os desenhadores Cabu, Wolinski, Honoré, Tignous, o economista Bernard Maris, a psicanalista Elsa Cayat, o corrector Mustapha Ourrad, o jornalista Michel Renaud, Frédéric Bousseau (funcionário de outra empresa que funcionava no edifício) e os polícias Ahmed Merabet e Franck Brinsolaro.

Os últimos meses têm sido marcados por divisões entre os jornalistas e cartoonistas sobre a gestão do jornal, que é agora detido por Sourisseau (70%) e pelo director financeiro Eric Portheault (40%), depois de ambos terem comprado os 40% detidos pela família de Charb, o antigo director.

De acordo com declarações de Sourisseau citadas pela imprensa francesa, o Charlie Hebdo vai tornar-se no primeiro jornal a adoptar o novo estatuto de “empresa solidária de imprensa”, criado por uma lei de Abril, na sequência dos ataques. Assim, a empresa passa a ser obrigada a reinvestir 70% dos seus lucros anuais – os accionistas decidiram que não receberão dividendos dos restantes 30%, que ficarão bloqueados num fundo.

Transformado num símbolo mundial da liberdade de imprensa, o semanário satírico tem recebido milhões de euros de doações, para além de ter aumentado para 210 mil o número de subscritores e de estar a vender 100 mil em banca. Mais do que suficiente para ter uma “tesouraria positiva”, explica Sourisseau.

No imediato, será preciso gastar dinheiro numa nova redacção e em novas medidas de segurança, num momento em que quem quer colaborar com o Charlie “pede muitas vezes para publicar sob anonimato”. “Quando vendíamos menos, estávamos mais tranquilos”, diz Sourisseau. “Agora, toda a gente olha para nós, tantas pessoas esperem que desempenhemos um papel, e é possível que tudo se repita. Mas não podemos abandonar este jornal. Se parássemos seria uma catástrofe para a democracia.”

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