Homem que gerou onda de solidariedade na Internet é acusado de burla

A publicação da história que Fernando contou esta terça-feira ao PÚBLICO, sobre como foi ajudado por desconhecidos depois de um apelo lançado no Reddit, fez surgir algumas denúncias que o associam a alegadas burlas.

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Tiago Machado/Arquivo

A história de Fernando Fonseca, de 43 anos, que deixou um pedido de ajuda numa rede social por estar supostamente a viver na rua, motivou uma onda de respostas solidárias, mas não só: na sequência da publicação do artigo no PÚBLICO, algumas pessoas acusaram o protagonista da prática de burlas. No fórum Reddit, onde foi feito o apelo inicial, também há comentários que põem em causa a veracidade da história de Fernando, que se identificava na rede social como "Sem Futuro". Esta quarta-feira, o PÚBLICO tentou várias vezes, sem sucesso, confrontar Fernando com estas acusações.

O caso de Fernando foi noticiado pelo PÚBLICO e provocou uma reacção de um grupo de pessoas que dizem ter reconhecido alguns pormenores da história, nomeadamente o nome, a idade e a profissão (consultor de comunicação) do protagonista, que assinava como "Sem Futuro". Na rede social onde Fernando lançou o apelo no passado fim-de-semana, foi esta quarta-feira publicado um post assinado por "SomeVerdade" que associa Fernando a alegadas fraudes cometidas em 2013 e que terão lesado várias pessoas. Confrontaram Fernando e outros intervenientes na rede social. 

Francisco e Marta (nomes fictícios), de 25 e 29 anos, são duas das pessoas que dizem ter sido lesadas por Fernando mas que preferem reservar a sua identidade, por já terem seguido com as suas vidas profissionais e, no caso de Marta, por algum receio de represálias. Admitem que nunca apresentaram queixa contra ele. Contaram ao PÚBLICO que, em meados de 2013, foram entrevistados para trabalhar numa empresa de Fernando ligada à área digital, com supostas sucursais em Londres, no Reino Unido, e Seattle, nos Estados Unidos. E queixam-se: os contratos de trabalho nunca chegaram, os pagamentos foram-se arrastando e eles acabaram por sair para o desemprego, depois de, alegam, terem descoberto, na sequência de várias diligências, que a empresa para a qual julgavam trabalhar nem sequer existia. Acrescentam que acabaram também por descobrir que Fernado, na sua presença, simulava chamadas telefónicas para sócios inexistentes.

Já Pedro, 33 anos e web developer, aceita identificar-se com o seu verdadeiro nome próprio. Cruzou-se com Fernando na mesma altura que Francisco e Marta, mas no seu caso foram os serviços da empresa em que trabalhava que foram contratados. "De início fomos acreditando e ele, mesmo com atraso, pagava-nos alguma coisa, ou os projectos eram suspensos. Foi através de um amigo nos Estados Unidos que percebi que a empresa não existia, mas era fácil acreditar nele - parece ser muito bom e competente -, com quem fiz até vida social. Assisti a uma conferência dele na Universidade Católica sobre redes sociais em que no final mais de cem pessoas aplaudiram de pé". No caso de Pedro a suspeita adensou-se por causa de um cheque sem cobertura. No entanto, a empresa de Pedro também não apresentou queixa, visto que o valor do cheque foi coberto pelo cliente final, que não queria que o trabalho se atrasasse.

A fotografia de Fernando disponível online e apresentada por este grupo de pessoas corresponde à mesma pessoa com quem o PÚBLICO se encontrou e que contou ter ido parar à rua na sequência do fim abrupto de uma relação. Como teria sempre vivido no estrangeiro, não tinha qualquer rede familiar ou de amigos em Lisboa.

Numa notícia que acompanha a fotografia de Fernando, no Fátima Missionária, com data de Julho de 2013, este apresentava-se como CEO e Chief Digital Strategist de uma empresa sediada nos Estados Unidos da América e encerrou a terceira sessão das “Conversas Contemporâneas da Consolata” falando sobre o poder das redes sociais.

“É muito fácil acreditar no Fernando, porque ele tem capacidades incríveis e nós estávamos a trabalhar com clientes concretos e grandes agências em Portugal. Sentia que a empresa podia ter dado certo, mas já deviam existir muitas mentiras”, explica Marta. “Ele não podia chegar ao pé de nós e dizer que Londres e Seattle afinal eram mentiras e, por isso, simplesmente desapareceu”, comenta Francisco, que adianta que o grupo afectado é de sete pessoas, três das quais acabaram por emigrar. Francisco saiu mas está de regresso a Portugal e acrescenta que há cerca de um mês um outro elemento do grupo encontrou Fernando em Lisboa, precisamente na zona do quarto que no domingo este disse que lhe arranjaram.

O PÚBLICO tomou conhecimento do apelo de Fernando no domingo. Nesse mesmo dia trocou mensagens com o “Sem Futuro”, falou telefonicamente com ele e combinou um encontro para terça-feira à tarde, que durou mais de duas horas. Entre domingo e terça-feira foram contactadas várias das pessoas que ajudaram Fernando. Nuno Soares e Pedro Santos falaram com o PÚBLICO e nunca suspeitaram de nada. Já Jorge Bastos forneceu um número de telemóvel, mas disse estar no estrangeiro. Rejeitou as tentativas de contacto explicando estar numa reunião e pediu para responder por email. Na resposta confirmou o encontro com Fernando e as formas de ajuda, que passaram por lhe arranjar um quarto temporário na casa dos tios. O PÚBLICO tem tentado contactar Fernando várias vezes, mas desde a manhã desta quarta-feira que não voltou a atender ou a responder às mensagens. Jorge também deixou de responder e na Internet o seu telemóvel aparece, afinal, associado a uma empresa de Fernando.

Tanto o "Sem Futuro" (Fernando) como o "ithinkandroid" (Jorge) apagaram, entretanto, as contas na rede social Reddit.

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