Educação para os Media

Futuro passa pela literacia computacional

A maior parte da população não faz a mínima ideia do que está por trás da tecnologia que utiliza no dia a dia. Qual a estratégia para aumentar a literacia digital? Estas algumas das questões abordadas pela direção da Ensico num texto a propósito do arranque de “Computação na Escola”.

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markus spiske

A familiaridade precoce com conceitos como a abstração, a decomposição, o reconhecimento de padrões e algoritmos propicia o desenvolvimento de habilidades e esquemas de raciocínio que, aplicados à resolução de problemas, capacitam os alunos para desafios progressivamente mais complexos, no decurso do processo educativo e do desenvolvimento pessoal. 

Vivemos um período de intensa e progressiva desmaterialização de todas as atividades, desde a social à industrial. E se bem que o fenómeno não seja novo, a rapidez com que tem vindo a ocorrer não tem precedentes. Esta transformação deve-se, sem dúvida, aos grandes avanços tecnológicos ao nível dos equipamentos físicos, mas principalmente ao desenvolvimento da computação e do software, enquanto veículo orquestrador de uma miríade de dispositivos que a todos os níveis se interligam entre si para produzirem sistemas complexos. 

Ainda que a teoria da computação tenha já demonstrado que a produção de software é em certa medida automatizável — podendo os programadores vir a ser substituídos por programas que geram programas —, estamos ainda longe de ter esse modo de produção aplicado a quase todos os domínios. Na verdade, em contraste com essa visão futurista, a realidade é outra: à escala planetária, a programação é ainda hoje feita, em larga medida, por métodos artesanais e de dúbia qualidade científica. Isto torna o software vulnerável, falível, inseguro e potencialmente de alto risco. Para além disso, encarece-o, pois exige mais recursos do que os que seriam precisos se desenvolvido em base mais sólida. 

Sendo hoje tão ubíquas as tecnologias baseadas na computação, e nas quais todos dependemos e confiamos nos variados sectores da nossa vida pessoal e social, será aceitável que a maior parte da população não tenha sequer a mínima ideia do que está por trás de tudo isso? 

Carl Sagan disse: “Vivemos numa sociedade extraordinariamente dependente da ciência e da tecnologia, na qual a maioria nada sabe sobre ciência e tecnologia”. Bastará, então, confiarmos numa elite de técnicos superespecializados que tudo fazem e controlam e em quem todos confiam?

Português, Matemática e computação

A frase de Sagan coloca-nos não só um problema de iliteracia, mas também de cidadania. O cidadão tem o direito de saber as vantagens, mas também os riscos que corre ao usar tecnologia e o dever de a usar responsavelmente. O que só poderá fazer se tiver alguma formação no respetivo corpo de conhecimento. Vejamos: será verdadeiramente livre o cidadão que não sabe ler e tem de pedir ajuda a terceiros para viver em sociedade? Ou o que não sabe aritmética básica e tem de pedir ajuda a terceiros para fazer as suas contas? Pela mesma razão, é imperioso criar um corpus pedagógico que ensine a computação como disciplina de base, a par da matemática, da língua materna, etc. A iniciação à computação pode e deve começar desde os primeiros anos, não precisando de grandes recursos em equipamento. Tudo começa com papel, lápis e, acima de tudo, massa cinzenta. 

Como comunicar com uma máquina? 

Em que medida comunicar com máquinas é diferente de comunicar com pessoas? Se a comunicação interpessoal pede domínio da linguagem escrita e falada, a comunicação com a máquina pede o domínio do “pensamento computacional”. Este pressupõe um maior domínio da lógica, da capacidade de abstrair de situações complexas da vida real, organizando a informação em modelos simples, que o computador entenda. Neste processo, o pensamento computacional gera sinergias imediatas com outras duas disciplinas nucleares: com a língua materna — não será possível comunicar a um computador o que não se consiga articular através da linguagem; e com a matemática, por ser o domínio do conhecimento que melhor exprime e manipula a informação abstrata e desmaterializada, que está ao alcance de um computador entender. 

Se ao que acima se disse acrescentarmos as sinergias naturais da computação com as disciplinas a que ela é diretamente aplicável, como a física, a biologia, a química, a economia, a estatística, etc., e ainda o fascínio que tudo o que é automático exerce sobre os alunos, professores e todos em geral, não será difícil prever um futuro auspicioso para uma tal disciplina ao nível do ensino escolar (nos 12 anos de escolaridade / K12). Ela poderá funcionar como uma espécie de “laboratório integrado”, que articula com todas as outras, aumentando a motivação e a exigência ao nível da articulação verbal, do raciocínio e da capacidade de correlacionar conhecimentos de diferentes domínios. Pela sua interdisciplinaridade, num plano mais operacional ela poderá contribuir, direta ou indiretamente, para o aumento do sucesso escolar em tais disciplinas. 

Reforça-se, finalmente, o que é diferente nesta perspetiva quando comparada com outras estratégias para aumentar a literacia digital. Aqui, aposta-se em formação de base que é, por definição, lenta, maturada e crescente. Aposta-se na integração da computação com outros conhecimentos, capitalizando na evolução intelectual do aluno, desde os desenhos, os jogos e as historinhas iniciais até à capacidade de resolver autonomamente problemas complexos, com eficácia e elegância, usando o computador. O desafio é produzirem-se conteúdos de elevada qualidade, cientificamente sólidos, mas subtis, atraentes, sem grafismos desnecessários, progressivos e sem hiatos pedagógicos. Estes deverão ser capazes de motivar docentes e alunos a entrarem na “magia” da computação e, a seu tempo, os alunos terão acesso ao “violino”, como há tantos anos Shinichi Suzuki recomendou que se fizesse. Nessa altura, com trabalho e estudo, terão condições para vir a ser bons concertistas. 

Além disso, a literacia digital ao nível K12, para além de socialmente necessária, potenciará o ensino de mais conhecimentos ao nível do ensino superior, revolucionando e atualizando os seus conteúdos pedagógicos nos cursos de informática e computação e gerando uma dinâmica com um potencial económico valioso num país que tem como principal matéria-prima o potencial intelectual e de trabalho dos seus cidadãos. 

Direção da Ensico

[“Computação na Escola” é uma parceria entre o PÚBLICO na Escola e a Ensico, Associação para o Ensino da Computação]