Jornais escolares

O Face ao Douro está há 25 anos a escrever a memória de uma escola

A primeira página do jornal do Agrupamento de Escolas Diogo de Macedo, em Gaia, foi escrita em 1995, dois anos depois de o estabelecimento de ensino abrir. O periódico funciona como uma espécie de agregador da história de “uma escola com alma”. Com o confinamento a memória continua a ser registada. O próximo número sai em junho e é dedicado à pandemia.

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Beatriz Brandão, Diogo Amorim e Beatriz Guerra, três dos alunos que participam na edição do jornal Nelson Garrido
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Nelson Garrido
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A equipa coordenadora: Manuel Filipe Sousa (ao centro), Manuel Brandão e Luísa Neves Nelson Garrido

A larga maioria dos alunos do Agrupamento de Escolas Diogo de Macedo (AEDM), no Olival, em Gaia, continua em casa, mas não é por isso que as prioridades deixam de ser as mesmas. A desconfinar devagarinho, só com o 12.º ano em aulas, passo a passo vai-se tentando estreitar novamente ligações com a normalidade, que há pouco mais de dois meses, por força de um vírus novo, foi suspensa. Mas a vida continuou, feita mais por casa, é certo, mas com os olhos virados para o mundo, que é onde as histórias nascem. Da lista de prioridades de alguns desses alunos faz parte, precisamente, identificar essas histórias que aos olhos dos mais desatentos podem passar ao lado, mas não a quem anda atrás delas. 

E é no Face ao Douro, um jornal que há 25 anos coleciona as memórias de uma escola, que esses momentos são registados, no papel, com texto e imagem, por uma equipa de jornalistas que não se deixou esmorecer em tempos de pandemia. O próximo jornal já está quase pronto para sair em junho. O tema central será a pandemia, escrito do ponto de vista de quem frequenta este estabelecimento de ensino ou com ele ainda estabelece uma relação. Desta vez não vai sair em papel, mas chegará na mesma às mãos dos leitores, em formato digital. Mas esta será uma exceção à regra. O jornal sempre foi impresso e é assim que voltará a ser logo que a normalidade for restabelecida na totalidade. Por agora, sem paragens e sem falhar os prazos de saída, trabalha-se com um objetivo: garantir que mais umas páginas da memória desta escola sejam escritas.

A trabalhar nesse plano estão alunos de todos os anos letivos. Nesta escola, o jornal não tem uma redação física nem uma equipa fixa. Todos os alunos são convidados a participar e incentivados pelos professores. Respondem à chamada alunos como Beatriz Brandão, Diogo Amorim e Beatriz Guerra, com quem o PÚBLICO na Escola falou na biblioteca do AEDM, ainda antes de a pandemia ser uma realidade próxima. Mas estes são apenas alguns dos cerca de 15 a 20 alunos que participam por edição. 

Apurar a escrita

Aos 17 anos, Beatriz Brandão não podia estar mais longe de querer seguir jornalismo. O destino profissional diz já estar escolhido há muito tempo. Por isso, no 12.ºano, trabalha para ter uma média alta que lhe permita entrar em Medicina. Ainda assim, aceitou o desafio lançado por alguns professores e passou a escrever textos para o jornal. Mas o “bichinho” por esta área não despertou, apenas porque já tem “certezas” do que quer ser. Porém, não tem dúvidas das ferramentas que esta experiência lhe deu: “Apesar de este não ser o meu futuro, acho importante para desenvolver a escrita.”

O mesmo diz Diogo Amorim, também com 17 anos e a frequentar o mesmo ano. Estuda Humanidades e, por isso, já está habituado a escrever. Aliás, sublinha estar habituado a escrever “muito”. Talvez até em “excesso”. Foi no jornal da escola que aprendeu a “sintetizar”, para obedecer ao espaço limitado que lhe é dado numa página e para conseguir “captar a atenção do leitor”. Desde que iniciou a sua “carreira” de jornalista em âmbito académico considera ter apurado a capacidade de “dizer mais em menos espaço”. Mas a sua vontade é seguir Relações Internacionais.

Já Beatriz Guerra, aos 14 anos e no 9.ºano, ainda tem tempo para decidir o que vai seguir depois de terminar o secundário. Por agora, está inclinada a estudar Direito – quer ser inspetora da Polícia Judiciária. É das mais novas do jornal e só há pouco tempo começou a escrever nas suas páginas. É a “estagiária”, ouve-se em tom de brincadeira. Aceitou o desafio pela experiência de conhecer outras áreas e não se arrepende. 

Em comum, os três partilham o facto de contribuírem para a construção da memória da escola através do jornal com uma tiragem a rondar 200 exemplares, com custo de 50 cêntimos, a reverter para o Clube da Solidariedade, que apoia alunos carenciados. O coordenador do projeto, Manuel Filipe Sousa, é o responsável por este meio que funciona como uma espécie de arquivo da história da escola que ajudou a abrir há 27 anos, quando presidia à comissão instaladora. Desde essa altura fez força para que fosse criado um jornal. Para essa vontade ajudou ter feito parte do jornal Nascente, do Colégio de Gaia, onde foi aluno. 

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Nelson Garrido

Está na génese do projeto, embora não o coordene desde o início – outras funções roubavam-lhe o tempo de que necessitava para se dedicar ao jornal. Passou pelo Conselho Diretivo e agora coordena o Plano Nacional das Artes, ao mesmo tempo que se divide a lecionar História e a coordenar o Face ao Douro

Uma escola com alma

É naquelas páginas que são escritos textos que imortalizarão momentos marcantes da história do liceu. Momentos como os das visitas do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, D. Ximenes Belo, que foi capa, ou de outras figuras de relevo que por ali passaram. “Se não fosse o jornal não havia memória destes episódios. A história da escola faz-se aqui. Não restam dúvidas”, sublinha o professor. Ao mesmo tempo fica também registada a passagem de centenas de alunos que colaboraram e hoje “são bem sucedidos” nas suas áreas profissionais. “Há alunos que ficam sempre ligados emocionalmente à escola. Esta é uma escola com alma”, afirma.

Não é por acaso que no próximo número a sair, em junho, o último deste ano – saem quatro por ano letivo –, alguns ex-alunos serão convidados a participar. Um deles é um médico que está na linha da frente de combate à covid-19, outro será um polícia municipal e ainda uma enfermeira. Este número contará, como é habitual, com os textos dos alunos, que terão também uma palavra a dizer sobre como é ser aluno em tempos de pandemia. 

Em 1995 escreveu-se a primeira página deste jornal que completa este ano 25 anos. Em agosto próximo, ao fim de quatro décadas a lecionar, Manuel Filipe Sousa está em condições de terminar a carreira de professor. Há um desejo que tem para o futuro: “Gostava que o jornal continuasse por muitos anos. Neste momento tem todas as condições para que assim seja e uma equipa capaz de o fazer.”