Jornais Escolares

A escola fechou, mas o jornal não cedeu

Secundária de Caldas das Taipas manteve a edição de abril do “Trigal”, que já estava a ser preparada quando o PÚBLICO na Escola a visitou, antes da pandemia. Desta vez não circula em papel, mas em versão digital, e com várias páginas dedicadas ao novo coronavírus. “O malvado veio pôr um travão à Terra, que andava a girar de forma assustadoramente acelerada...”, escreve uma aluna.

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Nelson Garrido
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O jornal tem três edições por ano, no final de cada um dos períodos letivos Nelson Garrido
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Alfredo Oliveira é o professor que dirige o jornal da Secundária de Caldas das Taipas Nelson Garrido

Em casa de Carolina Teixeira não há o hábito de comprar jornais. Durante anos, o Trigal, jornal da escola onde hoje é aluna, era o único que lhe chegava às mãos, trazido pelas irmãs que lá estudavam. É a mais nova da família. Numa vila como Caldas das Taipas, onde só há uma escola secundária, Carolina já sabia que, quando chegasse ao 10.º ano, também ali estudaria. Lia as notícias para “ter uma ideia das atividades que eram desenvolvidas e dos projetos que poderiam surgir quando fosse a minha oportunidade de os fazer”.

Antes de escrever no Trigal, Carolina Teixeira já era sua leitora. Hoje, faz parte do grupo de alunos que mais regularmente escrevem no jornal desta escola secundária sediada em Caldas das Taipas, uma vila de cerca de 6000 habitantes, a meio caminho entre Braga e Guimarães – mas que integra o município vimaranense. Não é uma história incomum para um periódico escolar que completou, no passado mês de janeiro, 21 anos.

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A história de Carolina Teixeira ilustra como o Trigal atravessou gerações. Mas contar uma história com mais de duas décadas implica sempre falar de sobrevivência. Neste caso, é preciso abordar a necessidade de encontrar onde “encaixar o jornal” dentro das várias mudanças curriculares introduzidas ao longo do tempo pelos sucessivos Governos. “Fomos procurando encontrar os espaços que permitissem que o jornal fosse mais dos alunos”, explica Alfredo Oliveira, que dirige o periódico.

A esse percurso, resumido ao PÚBLICO na Escola num normal dia de aulas do 2.º período, antes do encerramento dos estabelecimentos de ensino e do estado de emergência que mandou as pessoas para casa, acaba de ser acrescentado mais um momento singular — e também um desafio: na altura em que se ultimava a edição de abril, deixou de haver aulas presenciais, a escola fechou, os contactos passaram a ser eletrónicos...

As circunstâncias não permitiam a saída do Trigal em papel, mas a edição voltou a sobreviver, agora em suporte digital e escolhendo para tema de capa o novo coronavírus. No interior, “O fecho das escolas e as experiências vivenciadas no ensino à distância” são contados na primeira pessoa, ao longo de várias páginas.

Quando o Trigal nasceu, em 1999, era um projeto dos alunos do Curso Tecnológico de Comunicação e Difusão que a escola então oferecia. Eram exclusivamente estes estudantes quem concebia e produzia o jornal – e até o vendia pela escola. Assim continuou a ser até 2005/06, quando essa oferta formativa foi extinta.

“O bichinho do jornalismo”

A solução para garantir a continuidade do jornal passou por torná-lo a ferramenta fundamental do trabalho de “Oficina de Comunicação”, uma oferta criada pela escola e dirigida aos alunos do 12.º, dentro da Área de Projecto.

Essa oferta também acabou por desaparecer do currículo e o Trigal ficou sem ter onde se “encaixar”. Pela primeira vez desde 1999, a publicação do jornal foi interrompida, não tendo saído a edição do 1.º período de 2018/19 – são editados três números anuais, no final de cada um dos períodos letivos.

Na escola, temeu-se que esse fosse o fim de uma história que, até então, tinha sido de sucesso. Alfredo Oliveira lembra que muitos dos seus alunos ganharam “o bichinho do jornalismo” a trabalhar no Trigal, acabando por fazer cursos superiores da área da Comunicação. Alguns deles são hoje jornalistas profissionais. Ele próprio dirige o único jornal de Caldas das Taipas, Reflexo, com publicação mensal.

Ao longo do tempo, o Trigal foi também colecionando prémios. O PÚBLICO na Escola, por exemplo, galardoou-o três vezes: duas com primeiro prémio do Concurso Nacional de Jornais Escolares, no escalão de jornais escolares de escolas secundárias e profissionais, em 2006/2007 e 2008/2009; e uma Menção Honrosa, em 2001/2002.

Com o jornal em crise e “sem ninguém que quisesse pegar nele”, Alfredo Oliveira regressou à direção, onde já tinha estado durante dez anos, até 2009. Para reativar o jornal foi necessário encontrar uma nova estratégia, sem uma disciplina diretamente ligada com a comunicação onde ancorar o projeto.

A solução acabou por ser a oferta de Atividade de Orientação Educativa (AOE), um tempo letivo semanal em que os alunos podem desenvolver projetos transversais e aprofundar alguns temas.

Alfredo Oliveira percorre as várias AOE da escola ao longo dos três períodos, fala com os alunos sobre o projeto do jornal, a tentar encontrar temas para a edição seguinte. Foi num desses momentos que, em janeiro, encontrámos a turma de Carolina Teixeira, o 12.º CT1.

A turma é uma das mais mexidas da escola no que à colaboração com o Trigal diz respeito. No primeiro número deste ano letivo, lançado em dezembro, as alunas da turma escreveram quase um terço dos artigos publicados. O tema central da edição foi uma entrevista com o novo diretor da escola, Celso Lima. O resto do jornal, que tem 20 páginas, foi feito de várias notícias, desde a evocação da I Guerra Mundial a um concurso literário. Ainda no 1.º período, algumas alunas gravaram em vídeo, para o PÚBLICO na Escola, a sua opinião acerca da importância do papel que atribuem ao jornal escolar.

Enviado por email

No dia em que visitámos a escola, preparava-se o número a sair em abril, quando o 2.º período acabasse. “Nós já temos um artigo, no âmbito da disciplina de Química, que vamos enviar para a semana para o professor”, adiantou, então, Leonor Silva. Ela e os colegas habituaram-se a ter sempre o jornal em mente quando realizam alguma atividade na escola.

Essa é “uma das componentes mas importantes do jornal”, acrescentou a colega Bárbara Lima. O Trigal serve acima de tudo para divulgar o que acontece na escola “não só na comunidade escolar, mas também para as famílias”. “Os alunos levam o jornal para casa e os pais ficam a conhecer um bocado mais daquilo que nós andámos aqui a fazer.”

Desta vez, o jornal chega a casa de cada um em PDF (os interessados em recebê-lo podem enviar um email para: jornal.trigal@esct.pt). E quem o lê fica a conhecer também como têm sido vividos os dias de ensino à distância, com trabalhos que “não param de chegar”, “necessidade de mantermos as rotinas”, exaustão, estranheza e otimismo: “Vamos vencer!”