25 de Abril

De um desafio do PÚBLICO na Escola nasceu este painel em Loures

Professores de Área de Integração do IPTrans - Instituto Profissional de Transportes mobilizaram escola para atividade sobre o 25 de Abril. Painel homenageia o pedagogo antifascista António Sérgio.

Foram os professores que sugeriram que o trabalho homenageasse António Sérgio.
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Foram os professores que sugeriram que o trabalho homenageasse António Sérgio. Nelson Ribeiro

Até ao dia em que o professor de Geografia, Nelson Ribeiro, propôs que fizessem um trabalho sobre o 25 de Abril, nunca tinham ouvido falar no nome António Sérgio. O ano de 1974 é distante demais para eles; tudo o que sabiam estava escrito nos manuais escolares. Mas este ano a proposta foi diferente no IPTrans - Instituto Profissional de Transportes, em Loures: depois de Nelson Ribeiro se ter cruzado com um desafio lançado pelo PÚBLICO na Escola, todas as turmas se mobilizaram para responder.

Na sugestão de atividade do PÚBLICO na Escola “Portugal no 25 de Abril e agora”, publicada há um ano, sugeria-se que se fizesse uma instalação para a comemoração dos 50 anos do 25 de Abril. Teria de ser feita por quem sempre viveu em liberdade. Nelson partilhou com a colega Ana Nóbrega, formada em História e Arqueologia e sua colega de Área de Integração no IPTrans, que aceitou a proposta com entusiasmo. “Disse-lhe logo que sim. Queríamos, desde logo, dar aos miúdos uma visão global do que era o 25 de Abril, porque muitos destes jovens têm uma noção longínqua do que foi, e já não se identificam com determinadas conquistas, nem se apercebem da luta que foi chegar até à Revolução”, partilha Ana Nóbrega com o PÚBLICO na Escola.

Na disciplina de Área de Integração, que faz parte do currículo de todos os cursos profissionais, fala-se um pouco de tudo. Alterações climáticas, globalização, arte, filosofia, economia, e tantos outros assuntos. É uma disciplina “multidisciplinar” que pretende “dar uma visão global aos alunos”, como explica a professora. Foi o seu caráter transversal que a tornou ideal para a concretização deste projeto no IPTrans. Foi o mote para pesquisar, escrever textos, discutir e fazer cravos em kirigami, uma técnica japonesa de recorte de papel.

Num trabalho sobre o 25 de Abril, podiam focar-se em pessoas ou eventos que se tornaram inquestionavelmente simbólicos, mas decidiram escolher uma figura relevante na luta pela liberdade que não fosse óbvia para todos. Foi assim que chegaram a António Sérgio, pedagogo antifascista, que foi preso pela PIDE mais do que uma vez e esteve exilado em Paris.

“Escolhemos alguém ligado à educação, que lutou pela liberdade, que viveu num meio privilegiado mas que se sacrificou pelos ideais que tinha. Quisemos dar outra visão da História, não só aquela que vemos no noticiário todos os dias, mas de alguém que foi interventivo na área em que esteve. E também mostrar aos alunos que qualquer um de nós pode ser interventivo — cada um à sua medida”, explica a professora Ana Nóbrega.

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A professora Ana Nóbrega trabalha muito em colaboração com o colega Nelson Ribeiro. DR

No painel vê-se um retrato de António Sérgio e lê-se um texto com a sua biografia, que se confunde com a História do país e do mundo. A chegada do Apolo 11 à Lua e o momento em que Simone de Oliveira cantou a “Desfolhada” no Festival da Canção têm em comum o ano em que aconteceram: 1969. Foi também o ano da morte de António Sérgio, que serve de mote ao arranque deste texto que além de ocupar uma parte considerável do painel, é lido em voz off num vídeo. No canto, um conjunto de cravos em kirigami representam a revolução que o homenageado não viu acontecer.

Porque é que estão sempre a falar no passado?”

Lourenço Sousa, 19 anos, Diogo Gonçalves, 18 anos, e Afonso Cruz, de 17, estiveram entre os alunos que pensaram a concretização deste painel. “Representa a conquista da liberdade que temos hoje em dia, e foi sem dúvida dos marcos mais importantes na nossa História até hoje”, diz Lourenço, que estuda no 3.º ano do Curso Técnico de Gestão de Transportes. Para eles, como explicava a professora Ana Nóbrega, esta data está lá longe. Mas não dão as conquistas de 74 como garantidas.

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Diogo Gonçalves, 18 anos, Lourenço Sousa, 19 anos são alunos do Curso Técnico de Gestão de Transportes. Afonso Cruz, 17 anos, estuda no Curso Técnico de Informática de Gestão. DR

Afonso acredita que é difícil voltar atrás, “apesar de atualmente haver alguns riscos e uma opinião um bocado assustadora por parte de alguns grupos”. “Isso preocupa-me. Acho que algumas opiniões [de extrema-direita] estão cada vez mais inseridas e normalizadas na sociedade e acho que devem ser combatidas”, defende. Lourenço e Diogo ouvem-no com atenção. “Estes grupos de extrema-direita que de há uns tempos para cá estão a emergir são preocupantes. Não é só no resto da Europa, mas também no nosso país”, acrescenta Lourenço. Mas Diogo não se assusta: “Acho que é muito difícil voltarmos a esses tempos.”

Há vários assuntos que gostavam de ver serem discutidos e resolvidos no país. E não estão muito longe das palavras de ordem que Sérgio Godinho cantava em “Liberdade”: paz, pão, habitação, saúde, educação. Afonso queria que o Sistema Nacional de Saúde funcionasse melhor e que a falta de professores nas escolas deixasse de ser uma realidade. Lourenço e Diogo falam sobre os preços das casas que os impedem de sonhar com o dia em que poderão tornar-se independentes e sair de casa dos pais.

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Os cravos em kirigami encontram-se com fotografias de arquivo de António Sérgio, que foi preso pela PIDE. DR

Este trabalho que mobilizou toda a escola foi um pretexto para pensarem no passado, no presente e no futuro do país. Para eles, que facilmente identificam os códigos do 25 de Abril, e para os colegas migrantes que nunca tinham ouvido falar sobre esta efeméride. Ana Nóbrega conta que o IPTrans tem “muitos alunos que vêm de outras partes do mundo, para os quais o 25 de Abril não faz sentido”. “A parte histórica do 25 de Abril, para alguns deles, é difícil de compreender. Aqueles acontecimentos, as palavras-chave, a música de intervenção. Ao fazerem este trabalho estão a criar uma memória associada a esta data.”

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A estrutura do painel foi feita com materiais reutilizados. Nelson Ribeiro

Para a professora, é importante que percebam que “esta escola é de todos, independentemente de onde eles vêm”. “Eu quero que esses meninos que estão aqui se sintam integrados na cultura, não quero que eles se sintam marginalizados.” E defende que com um trabalho com estas caraterísticas, desenvolvido numa lógica de projeto que resulta numa concretização coletiva, se trabalham competências como a perseverança, o sentido de grupo, a criatividade e a organização. O segredo esteve no processo, mais do que no resultado final.

Do processo fizeram parte muitas perguntas: “Professora, o 25 de Abril já passou, porque é que estão sempre a falar no passado?” E a professora respondeu, peremptoriamente, “porque falar no passado evita que se cometam erros no futuro, a luta pela liberdade é uma conquista diária”.