Os Vencidos da Dívida

Foto

O Manifesto dos 70, ou melhor, dos 74, é um curioso ser multicelular e multiparental, com várias cabeças distintas, nascido sem aviso em Março de 2014. Tem muitos braços esquerdos e direitos, uma perninha conservadora católica e outra da extrema-esquerda! Com isto, pôs alguma gente histérica, quase a ter um fanico, e muitos outros babados com a esperteza singular do organismo. A primeira palavra: não disse “papá”, nem “mamã”, nem sequer “Cavaco”, mas “Preparar a Reestruturação da Dívida para Crescer Sustentadamente”.

Perante a riqueza genética e cultural do Manifesto, várias disciplinas históricas e científicas foram convocadas e estão a trabalhar seriamente (outras, como esta, a escreverem parvoíces em redes sociais e em jornais…), tentando encontrar paralelos na História da Humanidade. O desafio, como se dizia dantes, é tamanho (embora mais pequeno do que os juros, os despedimentos e o descaramento). Mas encontra-se uma similitude com um dos períodos mais curiosos de Portugal. Nem que seja um trocadilho com o nome: A Geração de 70, do século XIX, quando homens como Antero de Quental, Eça de Queirós, Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, etc. lançaram um movimento de introdução de uma coisa nova: realismo. O realismo contestava aquilo que se tinha instalado cultural e socialmente em Portugal: o ultra-romantismo decadente. É ser contra uma coisa que confunde os sonhos com as realidades: um pouco como dizer que vamos crescer sustentadamente nos próximos 40 anos a pagar os juros que pagamos agora à troika, todos felizes, e estejam caladinhos que os senhores ainda nos ouvem, como se a União Europeia fosse isto (mas parece que é).

Alguns elementos da geração de 70 (século XIX), como se sabe, acabariam por desistir, mergulhando 20 anos depois em jantaradas mundanas, trapalhadas de sociedade, rendidos à situação. Oliveira Martins criou o nome para si próprio e alguns amigos, como Eça: os Vencidos da Vida.

Haverá algum dia os Vencidos da Dívida? De que lado estarão? Ninguém sabe. Mas pode-se lembrar uma questão que ainda interessa. Como o faz Viriato Soromenho Marques, no Diário de Notícias, um dos subscritores do Manifesto dos 70 (séc. XXI). No século XIX, escreve Viriato, “dois grandes europeus, Antero de Quental e Nietzsche escreveram, ao mesmo tempo, quase a mesma coisa: o que separa os homens é a maior ou menor capacidade que têm de ‘suportar’ a verdade de que depende a dignidade da vida. A verdade dói, mas a mentira mata. (…) O que une este governo, e o atual directório europeu, é a ligação umbilical entre o seu poder e a mentira organizada”.

Por falar nisso, lembramos que Quental era tão respeitado poeta e pensador que Tolstoi escreveu, no seu diário, que passara a tarde a ler Antero.

Podemos imaginar que, se o Manifesto sobre a dívida pública portuguesa continuar o trabalho (Passos, calma, conta até dez, rapaz), Antero pode dar o mote. É dele um dos mais lúcidos ensaios sobre Portugal, nas conferências do Casino, depois proibidas: Causas da Decadência dos Povos Peninsulares. Nova redacções poderão estar a sair em breve...

“Meus senhores:

A decadência dos povos da Península nos últimos três séculos [substituir por: nos últimos dois anos de PSD-PP] é um dos factos mais incontestáveis, mais evidentes da nossa história: pode até dizer-se que essa decadência, seguindo-se quase sem transição a um período de força gloriosa e de rica originalidade [acrescentar: governos de António Guterres, José Sócrates], é o único grande facto evidente e incontestável que nessa história aparece aos olhos do historiador filósofo.” Contributo de: João Cravinho, Francisco Assis, Mário Soares.

Outra parte do grupo de 74 trabalhará o tema: “Nunca povo algum absorveu tantos tesouros, ficando ao mesmo tempo tão pobre!” Uma denúncia do ataque do Governo PSD-PP ao trabalho manual, ao operariado, aos funcionários públicos, etc. Antero emprestará palavras: “Por ele sobem as classe democráticas em todo o mundo, e se engrandecem as nações; nós preferimos ser uma aristocracia de pobres ociosos [e de miseráveis servos dos mercados capitalistas e dos juros usurários do FMI] a ser uma democracia próspera de trabalhadores.” Deverá ser, entre outros, o contributo de Francisco Louçã e Manuel Carvalho da Silva.

Do sector da direita, o remate desta renovada conferência sobre as Causas da Decadência dos Povos Peninsulares. Relembrando como há 20 séculos se deu a queda do vicioso e podre Império Romano, substituído por uma “sociedade nova, embrionária, só rica de ideias, sofrendo mas crescendo”. “A ideia desse mundo novo impõe-se gradualmente ao mundo velho, converte-o, transforma-o: chega um dia em que o elimina, e a humanidade conta mais uma grande civilização. Chamou-se a isto o Cristianismo. Pois bem, meus senhores: o Cristianismo foi a Revolução do Mundo Antigo. A Revolução não é mais do que o Cristianismo do mundo moderno.”

[acrescentar novo final: Infelizmente, agora, o neoliberalismo estatista e anti-reformados da troika e do Passos Coelho (o tosco é teimoso…) não é mais do que a mentira que nos leva ao desastre!].

Esta parte deverá ser assinada, entre outros: prof. Adriano Moreira, os ex-ministros das Finanças Manuela Ferreira Leite (PSD) e Bagão Félix (PP), e e os ex-assessores Sevinate Pinto e Vítor Martins, exonerados por Cavaco, ingénuos caídos pela causa da justiça económica e da verdade.     

Sugerir correcção
Comentar