A guerra na Ucrânia causou uma crise energética global, mas as grandes petrolíferas tiveram um óptimo 2022. Com as sanções da União Europeia (UE) e dos Estados Unidos à Rússia — país que, antes do conflito, fornecia mais de 30% do petróleo importado pela UE —, os preços do petróleo dispararam, o que beneficiou bastante os "tubarões" da indústria.

"Tubarões" como a BP, cujos lucros de 2022, divulgados esta terça-feira, são os mais expressivos que alguma vez reportou. As contas desta multinacional indicam que, no ano transacto, os seus proveitos rondaram os 27,7 mil milhões de dólares (cerca de 25,7 mil milhões de euros). Em 2021, a empresa britânica não tinha conseguido lucrar nem metade deste valor, que vem bater aquele que até então era o mais elevado: 26,3 mil milhões de dólares (em 2008).

A BP tinha planos para, até 2030, reduzir a sua pegada carbónica. Com as notícias desta semana, a petrolífera andou para trás na sua ambição ecológica. Como escreveu no PÚBLICO a jornalista Rafaela Burd Relvas, a empresa prevê agora chegar a 2030 com uma produção de cerca de dois milhões de barris de petróleo por dia.

Se a previsão se materializar, teremos daqui a sete anos uma BP a produzir 25% menos do que produzia em 2019. Boas notícias para o planeta? Nem por isso, se considerarmos que, antes da apresentação deste seu balanço financeiro de 2022, a empresa tencionava produzir 40% menos, não 25%. A necessidade de "responder à procura por um fornecimento seguro de petróleo e gás" justifica o retrocesso em termos de metas climáticas, diz a multinacional.

A BP está longe de ser a única grande petrolífera que facturou impressionantemente em 2022. A ExxonMobil — empresa que, embora tenha passado anos a promover o cepticismo em relação às alterações climáticas, sabia internamente, desde a década de 1970, que elas são um perigo sério (e que a queima de combustíveis fósseis muito faz para agravar o problema) — também registou em 2022 os maiores lucros da sua história: mais de 51 mil milhões de euros.

A Shell não bateu recordes em 2022, mas duplicou os lucros face a 2021. A Chevron, por seu turno, cresceu 126%. "Em conjunto, BP, Shell, ExxonMobil e Chevron — que com a francesa Total, que ainda não reportou os resultados relativos a 2022, formam o grupo das cinco maiores petrolíferas ocidentais — arrecadaram em 2022 lucros de 159,7 mil milhões de dólares (mais de 148 mil milhões de euros)", escreveu Rafaela Burd Relvas.

Resumindo: as petrolíferas estão a facturar imenso. António Guterres está atento. E voltou a mandar um recado.

"Tenho uma mensagem especial para os produtores de combustíveis fósseis e os seus facilitadores, que estão a lutar para expandir a produção e gerar lucros monstruosos: se não são capazes de desenhar um caminho credível rumo à neutralidade carbónica, com objectivos para 2025 e 2030 que cubram todas as vossas operações, não devem estar neste negócio", afirmou no início desta semana o secretário-geral das Nações Unidas, dirigindo-se à Assembleia Geral em Nova Iorque.

No seu discurso, Guterres fez menção à Cimeira de Ambição Climática de 2023, que marcou para Setembro. O responsável quer que do encontro global saiam planos para uma acção climática "nova, tangível e credível". Mas os governos mundiais e representantes das mais diversas indústrias estão avisados: "Mostrem-nos acção acelerada nesta década e planos novos e ambiciosos para a neutralidade carbónica — ou então por favor não apareçam."

A Cimeira de Ambição Climática antecederá a Cimeira do Clima de 2023 (COP28), que acontecerá entre 30 de Novembro e 12 de Dezembro, nos Emirados Árabes Unidos (EAU). Terá a edição deste ano da COP, o evento climático anual mais importante das Nações Unidas, já sido deitada ao lixo, numa altura em que ainda está a meses de distância? Frustrados, muitos ambientalistas acreditam que sim.

É que o presidente da cimeira será Ahmed Al-Jaber. O enviado especial dos EAU para as alterações climáticas é também, entre outras coisas (ministro da Indústria e Tecnologia Avançada dos EAU e líder da Masdar, empresa de energias renováveis), o director executivo da petrolífera estatal dos Emirados Árabes Unidos.

Al-Jaber é, segundo a agência de notícias do Governo dos EAU, o responsável pelos projectos de descarbonização da Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC) — assim se chama a petrolífera —, mas isso está longe de acalmar ambientalistas. "Todas as petrolíferas agora têm os seus planos de descarbonização", dizia-nos, há cerca de um mês (que foi quando os EAU anunciaram que a presidência da COP28 ficaria nas mãos de Al-Jaber), Pedro Nunes, da associação ambientalista Zero.

Para este especialista em política pública, "isso não desculpa" a polémica nomeação de um homem que, tendo um pé no petróleo e o outro nas renováveis, presidirá à COP28 com um conflito de interesses presumivelmente significativo.

E o problema é que não será só Al-Jaber. O Centre for Climate Reporting (CCR), uma organização sem fins lucrativos de jornalismo de investigação, analisou recentemente os perfis de LinkedIn de pessoas que aí indicaram, entre Janeiro de 2021 e Janeiro deste ano, que estão agora a exercer funções no gabinete do enviado especial dos EAU para as alterações climáticas. Pelo menos 12 reforços recentes são pessoas que já estiveram (ou continuam) ligadas à ADNOC.

As Nações Unidas já enviaram perguntas à presidência da COP28. Querem saber até que ponto a sua independência da ADNOC estará mesmo salvaguardada.

Como é possível, quando o mesmo homem que presidirá à cimeira climática é também o director executivo da petrolífera? É a pergunta que muitos fazem neste momento. Quanto a Al-Jaber, o responsável disse esta semana, numa conferência na Índia, que da parte dele não há conflito de interesses nenhum. "É do nosso interesse comum termos a indústria energética a trabalhar com todos nas soluções de que o mundo precisa", disse, citado pela agência Reuters.

Ahmed Al-Jaber garantiu que a presidência da COP está "a ouvir e pronta para se envolver". Enquanto o novo sistema energético não se encontrar totalmente construído, acrescentou, não podemos desfazer o actual.

De facto, o actual sistema não mostra sinais de abrandamento. As contas milionárias das petrolíferas que o digam.