Aos seis anos, o TikTok chegou à maioridade.

A rede social chinesa alcançou estatuto para desafiar as "velhas" plataformas e para dar dores de cabeça múltiplas: sejam provocadas pelo conteúdo (consumido, em particular, por jovens); pela expansão do negócio para lá das fronteiras da China, com o que isso significa para empresas americanas e europeias; ou pelas questões de armazenamento de dados e potencial espionagem.

Nesta segunda-feira foi anunciado um dos ritos de passagem: em Março, o CEO da rede social, Shou Zi Chew, vai ser ouvido no Congresso americano. De acordo com a nota oficial, irá testemunhar sobre "a privacidade dos consumidores e as práticas de segurança de dados, o impacto da plataforma nas crianças e a relação com o Partido Comunista Chinês". 

É um emaranhado que vai da saúde mental à geopolítica. Preocupações semelhantes têm-se ouvido também deste lado do Atlântico. Tanto nos EUA como na Europa paira a ideia radical de banir a aplicação.

O TikTok cresceu rapidamente nos últimos anos, embora não seja fácil precisar em que medida. Ao contrário das rivais (com a excepção recente do Twitter, que saiu da bolsa), nem o TikTok, nem a ByteDance (a empresa que a detém) são cotados, pelo que não há relatórios públicos com números de utilizadores. Em Setembro de 2021, a empresa comunicou ter superado os mil milhões de utilizadores. Estimativas de analistas de mercado apontam para cerca de 140 milhões de utilizadores activos nos EUA e 275 milhões na Europa; a ser assim, é uma grande percentagem dos utilizadores de Internet. 

Independentemente dos números, é inegável que a plataforma ajudou à proliferação de um estilo de vídeo e à massificação de uma forma de comunicação que é popular entre crianças e adolescentes (não é à toa que o conceito acabou por ser importado para outras redes sociais). 

Para escrever esta newsletter, reinstalei o TikTok no telemóvel. Depois de entrar com a conta do Google, a aplicação pediu que escolhesse temas que me interessavam. Não escolhi nenhum, o que talvez ajude a justificar a sucessão mirabolante de vídeos que foram surgindo.

O primeiro mostrava várias mulheres jovens, em bikini, a olhar para a câmara com exclamações como "Olha que lindo!" em português do Brasil (interrogo-me se o TikTok achou que era o tipo de vídeo que faria sentido como nota de boas-vindas). Próximo vídeo: um jovem com um colar com o símbolo da Bitcoin, a dançar à porta de um restaurante. Terceiro vídeo: um homem a dançar freneticamente em casa, com o rosto digitalmente alterado. Quarto vídeo: o futebolista Neymar a dançar (fico a pensar se o vídeo anterior era um tiktoker anónimo ou uma celebridade que me passou despercebida). Quinto vídeo: uma intervenção no Parlamento da deputada Rita Matias, do Chega, sobre o frio nas casas em Portugal. Sexto: um vídeo de uma mulher estrangeira em Lisboa, sobre os problemas que a surpreenderam no país (rendas altas, salários baixos, burocracia lenta). Sétimo: uma mulher, aparentemente num país asiático, a engolir, praticamente inteira, uma enorme beringela. Oitavo: homens musculados numa competição de estalos na cara. Nono: uma senhora a dizer que está frio, com linguagem imprópria para uma newsletter do PÚBLICO.

Presumivelmente, fazer like em algum destes vídeos ajustaria o resultado do algoritmo: mais deputados e menos bikinis, mais estalos e menos beringelas. Nada de novo, portanto. Seria mais inovadora (e, potencialmente, mais preocupante no que à privacidade diz respeito) uma funcionalidade que permite seleccionar o rosto de uma pessoa e procurar vídeos em que ela participe; está, porém, apenas disponível na versão chinesa do TikTok, uma aplicação chamada Douyin.

Pode ser excessivo olhar para o TikTok como um plano orquestrado por Pequim. A empresa tem-se esforçado por dar garantias de transparência e de cumprimento das leis nos países ocidentais em que opera. O CEO, Shou Zi Chew, de 39 anos, é licenciado em Economia pelo University College de Londres e tem um MBA de Harvard. É um perfil bem diferente do de Ren Zhengfei, o antigo engenheiro militar que fundou a Huawei e que é notoriamente próximo do regime chinês. Por ora, quase tudo aponta para que o principal propósito do TikTok não seja a espionagem, mas fazer muito dinheiro à custa de algoritmos talhados para captar o máximo de atenção.

Por outro lado, a história do magnata chinês Jack Ma, fundador da Alibaba, e do seu misterioso desaparecimento há dois anos mostrou como Pequim pode com facilidade apertar as garras em torno de empresas que estejam ao seu alcance. Antes disso, aprendemos com as revelações de Edward Snowden que uma rede como o TikTok, capaz de apanhar nas suas malhas dados de milhões de pessoas, é sempre apetecível.

Em relação às plataformas da Internet, a nossa idade da inocência acabou há muito.