É a enésima polémica a envolver a TAP em tempos recentes (está aqui uma boa lista dos últimos episódios), mas é também mais um numa já longa lista de casos a abalar o Governo de António Costa nestes nove meses de maioria absoluta. Mas do que falamos, afinal, quando falamos da novela da indemnização de meio milhão de euros que a TAP acordou pagar a Alexandra Reis, a agora ex-secretária de Estado do Tesouro, e que acaba de levar à demissão de Pedro Nuno Santos

Que caso é este de Alexandra Reis e da indemnização dos 500 mil euros na TAP?

O escândalo rebenta no sábado, véspera de Natal, quando o Correio da Manhã faz manchete com a história de que Alexandra Reis tinha saído em Fevereiro da TAP, onde tinha sido administradora executiva, com uma indemnização de 500 mil euros

Mas essa indemnização é legal? E por que foi paga?

Vamos ao "porquê" primeiro. Alexandra Reis entrou na TAP como directora em 2017, quando a companhia aérea portuguesa ainda era privada, e saiu como administradora este ano, quando a transportadora já era novamente pública (está sob controlo do Estado desde finais de 2000). Pela dispensa, e porque ainda teria 34 meses de mandato pela frente, a gestora pediu inicialmente uma indemnização de 1.479.250 euros. Saiu com os 500 mil euros (brutos, antes de impostos):

  • 56.500 euros de compensação pelo fim do contrato de trabalho sem termo que celebrou quando entrou na empresa;
  • 107.500 de remunerações vencidas reclamadas, de férias vencidas e não gozadas;
  • 336 mil euros correspondentes ao que teria recebido nos 12 meses seguintes, número sem os cortes que estão em vigor para outros trabalhadores da TAP. 

E a legalidade deste pagamento?

É aqui que a coisa se complica. Resumindo os argumentos, a TAP defende que este pagamento acontece à luz do Código das Sociedades Comerciais, uma vez que Alexandra Reis foi contratada quando a TAP era privada. O Governo, no entanto, argumenta que a transportadora aérea também está obrigada a seguir legislação aplicável às empresas públicas, nomeadamente o Estatuto do Gestor Público. 

Esse estatuto aponta, por exemplo, que um gestor público demitido a meio do seu mandato tem direito "a uma indemnização correspondente ao vencimento de base que auferiria até ao final do respectivo mandato, com o limite de 12 meses", o que limitaria a compensação a 350 mil euros

Só que essa compensação, à luz do tal Estatuto do Gestor Público, deveria ser ainda menor em caso de regresso ao exercício de funções, ou de nomeação para outro cargo de gestão pública, nesses 12 meses. E foi o que aconteceu: Alexandra Reis foi nomeada gestora da NAV (Navegação Aérea Portuguesa, outra empresa pública) apenas quatro meses depois de ter saído da TAP, pelo que, em teoria, ficaria por devolver parte da indemnização recebida, no correspondente a oito meses de vencimento. Meses depois, a gestora é nomeada para o Governo, para secretária de Estado do Tesouro, sob a alçada do ministro das Finanças, Fernando Medina, onde continuaria a desempenhar, em teoria, um papel no controlo do apoio financeiro público à TAP.

Para desenvencilhar este nó legal, várias entidades terão de apresentar informação e analisá-la:

  • a própria TAP, que já fez uma primeira exposição sobre o caso;
  • os dois ministérios que tutelam a companhia aérea (o das Infraestruturas, que era até aqui de Pedro Nuno Santos, e o das Finanças, de Fernando Medina), que tinham negado conhecimento prévio sobre este assunto e que pediram explicações à empresa;
  • a Inspecção-Geral das Finanças e a Comissão de Mercado e Valores Mobiliários (CMVM), às quais o Governo remeteu as respostas que recebeu da TAP.

A somar a isto tudo, há dúvidas sobre se Alexandra Reis foi afastada da TAP ou se saiu por iniciativa própria, uma vez que a primeira comunicação que a TAP fez à CMVM sugeria que a gestora tinha saído pelo próprio pé, o que, à partida, lhe retiraria o direito a uma indemnização. Agora, há uma nova versão da TAP que continua a não ser totalmente esclarecedora: a empresa afastou Alexandra Reis, sim, mas em resultado de uma negociação entre ambas as partes. Isto continua a colocar em dúvida o direito à compensação nos termos em que foi concedida, e compromete também a TAP perante a CMVM, uma vez que a primeira informação que prestou ao regulador não seria correcta.

Alexandra Reis, no meio da tempestade, defende a legalidade do pagamento (que diz não ter recebido ainda). 

Mesmo que tudo seja legal, não há aqui uma questão ética e política?

Há, e isso é assumido por praticamente todos. Tanto que, na terça-feira à noite, Fernando Medina anunciou que pediu a Alexandra Reis para apresentar a sua demissão (que foi apresentada e já aceite), de modo a "preservar a autoridade política do Ministério das Finanças num momento particularmente sensível na vida de milhões de portugueses". 

A demissão aconteceu horas depois de António Costa ter recusado fazer a defesa política da secretária de Estado e ter afirmado que desconhecia os "antecedentes" da ex-gestora pública, e depois de dias de críticas e pedidos de explicações por parte do Presidente da República, que logo no fim-de-semana disse que o caso lhe fazia "muita impressão", mesmo que tudo fosse legal. 

Em causa está, num quadro de crise internacional e de pressão sobre as famílias em Portugal, o facto de o Estado já ter injectado 3,2 mil milhões de euros de dinheiros públicos na TAP, que dispensou muitos trabalhadores e sujeitou a cortes salariais grande parte dos seus funcionários.

Mas, e como a oposição vinha sublinhando nos últimos dias, o caso nunca poderia terminar apenas com a demissão de Alexandra Reis. Na noite de quarta para quinta-feira, Pedro Nuno Santos também apresentou a sua demissão, prontamente aceite por António Costa, assumindo a "responsabilidade política" pela novela. Em causa está o facto de um seu secretário de Estado, Hugo Santos Mendes, ter tido conhecimento do acordo de rescisão entre a TAP e Alexandra Reis.

Mesmo com a capitulação de Pedro Nuno Santos, é expectável que o Governo de maioria absoluta do PS continue, nos próximos dias, a estar debaixo do fogo da oposição.