Angola vai a votos esta quarta-feira, dia 24, para escolher entre a continuidade de João Lourenço (MPLA) na Presidência da República ou uma possível viragem de capítulo com a UNITA de Adalberto Costa Júnior, que apresenta como candidato a vice Abel Chivukuvuku, regressado ao partido após ter deixado a CASA-CE, terceira força política do país.

Pela primeira vez, os angolanos no exterior vão poder votar, aumentando o número de eleitores para mais de 14 milhões. Para além da chefia do Estado, elege-se também a Assembleia Nacional, onde se disputam 220 lugares de deputado, e onde o MPLA goza actualmente de maioria absoluta.

Em que contexto decorrem as eleições?

João Lourenço, o actual Presidente angolano, foi eleito em 2017, sucedendo a José Eduardo dos Santos, e surpreendeu num primeiro momento ao anunciar uma cruzada contra a corrupção, não poupando os familiares e aliados mais próximos do antecessor, que esteve 38 anos no poder e que morreu este ano, a 8 de Julho. No entanto, as promessas de maior transparência não foram inteiramente concretizadas, esbarrando sobretudo no peso que o partido do regime, o hegemónico MPLA, mantém em todas as dimensões da sociedade angolana. 

As promessas de maior prosperidade ficaram ainda mais longe da realidade: 45% da população angolana vive na pobreza e oito em cada dez angolanos passaram fome no ano passado, num contraste chocante com as riquezas naturais do país e a fortuna de uma pequena elite.

Isso significa que o MPLA pode perder as eleições?

Vinte anos depois do fim da guerra civil que opôs MPLA e UNITA, e perante um sentimento visível de insatisfação de muitos angolanos, surge pela primeira vez em muitos anos a expectativa de um bom resultado do maior partido da oposição, que concorre com Adalberto Costa Júnior como candidato à Presidência e com Abel Chivukuvuku como candidato a vice. 

O regresso deste à UNITA, bem como o apoio de antigas figuras do MPLA como o antigo primeiro-ministro Marcelino Moco, demonstram o crescimento do partido. Os seus dirigentes têm expressado publicamente a possibilidade de uma vitória. 

Mas há sondagens a indicar uma vitória da UNITA?

A lei eleitoral angolana não permite a divulgação de sondagens durante a campanha eleitoral, embora haja números que circulam até na imprensa estatal. No entanto, a grande disparidade de números, a data de alguns inquéritos e a própria credibilidade (ou falta dela) de algumas das organizações responsáveis levantam mais dúvidas do que certezas:

  • Uma sondagem dá 63% ao MPLA e 33% à UNITA. É da autoria da POB-Brasil, empresa brasileira que não tem qualquer sondagem registada no Tribunal Superior Eleitoral brasileiro, o que levanta dúvidas sobre a fiabilidade da entidade
  • Outra sondagem referida nos últimos dias dá 59% ao MPLA e novamente 33% à UNITA. No entanto, o inquérito é de um site sem historial de credibilidade
  • Outra considerada mais credível, da Ovilongwa para o Afrobarómetro, já é de Maio e indicava 29% das preferências de voto para o MPLA, 22% para a UNITA e uns extraordinários 31% de eleitores indecisos, o que não permite traçar cenários claros
  • A da Angobarómetro, de Julho, dava 53% à UNITA e 34% ao MPLA
  • A sondagem do movimento cívico Mudei, feita já em Agosto, dava 51% à UNITA e 26% ao MPLA 

Em que ficamos, afinal?

Para já, apenas por uma percepção de um clima teoricamente favorável a um bom resultado da UNITA, mas sem sondagens a esclarecer inequivocamente o que poderá acontecer na quarta-feira. 

Teoricamente favorável, sublinhe-se. É que tanto a oposição como jornalistas e observadores internacionais levantam dúvidas sobre a justiça de uma campanha eleitoral em que o peso da máquina estatal pende claramente para o MPLA (a imprensa pública ou próxima do regime pouco tempo de antena dá à oposição) e sobre o próprio processo de apuramento dos resultados eleitorais. E isso é uma enorme fonte de preocupação para quem observa Angola nestes dias.

Existe a possibilidade de um novo conflito em Angola?

Dentro e fora do país surgem alertas sobre a possibilidade de violência pós-eleitoral. O Instituto de Estudos de Segurança da África do Sul publicou este mês um relatório a traçar dois cenários de perigo: um de revolta popular no caso de uma vitória curta ou duvidosa do MPLA, e outro de recusa de transferência de poder em caso de derrota do MPLA.

No entanto, também são de referir movimentações e declarações a favor da calma e da paz. No domingo, uma cerimónia religiosa organizada em Luanda por várias igrejas cristãs reuniu figuras do poder e da oposição, incluindo o Presidente João Lourenço e dirigentes da UNITA e da CASA-CE, que ouviram orações pelo país, pela paz, pelas autoridades eleitorais e pelas forças de segurança.

Ainda em pano de fundo, o funeral de José Eduardo dos Santos, marcado para 28 de Agosto, quatro dias depois das eleições. Só neste fim-de-semana é que o corpo do ex-Presidente chegou a Luanda. Até ao momento, sem um banho de multidão no velório, nem um grande envolvimento do Governo angolano. O legado de José Eduardo dos Santos, durante décadas líder absoluto, é hoje tóxico para o MPLA.

Quem concorre para além da UNITA e do MPLA?

Há mais seis partidos a concorrer às eleições de quarta-feira: a histórica FNLA, o Partido da Renovação Social, a CASA-CE (que se tornou na terceira força política angolana, mas viu o seu líder Chivukuvuku sair do movimento para apoiar a UNITA), a pequena Aliança Patriótica Unida, e dois novos partidos (o Partido Humanista e o P-Njango) que, segundo analistas angolanos, foram criados apenas para "roubar" votos à UNITA.

No entanto, estes partidos deverão ficar bastante à margem da disputa entre o MPLA e a UNITA.

Vale a pena seguir o PÚBLICO nos próximos dias e o trabalho do nosso enviado especial António Rodrigues. Entretanto, esta newsletter vai de férias para regressar lá para Outubro, de cara lavada e com novidades. Até breve.