O que é preciso para viajar neste Verão? Bagagem, documentos, bilhetes e muita paciência. Depois de dois anos de pandemia, e apesar de a ameaça da covid-19 ainda não ter desaparecido, o mundo voltou a voar aos níveis de 2019, só que os aeroportos e as companhias aéreas estão agora com menos trabalhadores do que nos anos pré-pandémicos, e com custos de operação bastante maiores.

Resultado:

  • voos cancelados
  • bilhetes mais caros
  • longas filas nas partidas e chegadas
  • bagagens desaparecidas
  • aeroportos forçados a reduzir actividade
  • companhias aéreas em crise 

Mas não é um problema exclusivo do aeroporto de Lisboa?

Não. O Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, tem problemas próprios que são conhecidos há muitos anos. A infra-estrutura física (as pistas, a placa onde os aviões estacionam, a aerogare, os acessos) não teve capacidade para acompanhar o crescimento explosivo do tráfego aéreo para Lisboa ao longo dos últimos anos, no qual a pandemia representa apenas uma curta pausa. 

Há ainda outras limitações: a partilha do espaço aéreo com a base militar de Figo Maduro e com outras bases na região de Lisboa, o facto de estar localizado dentro da cidade (o que dificulta um alargamento) e de, pelo mesmo motivo, a lei do ruído não permitir descolagens e aterragens entre as 00h e as 06h (apesar de haver muitas excepções à regra), o que limita o número total de voos.

Há décadas que se debate uma solução para o aeroporto de Lisboa, e sobretudo a localização de um novo aeroporto. Na semana passada, a questão esteve até no centro de uma breve crise política. Na quarta-feira, o Ministério das Infra-estruturas anunciou um plano que passava por manter o Aeroporto Humberto Delgado a funcionar em simultâneo com uma pista no Montijo, a partir da reconversão da actual base aérea, entre 2026 e 2035, ano em que as duas infra-estruturas dariam lugar a um novo aeroporto internacional em Alcochete. Na manhã seguinte, no entanto, o primeiro-ministro António Costa revogou a decisão do ministro Pedro Nuno Santos, entendendo que a solução para o novo aeroporto deve ser discutida com o PSD e envolver o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Ou seja, e por agora, continua a não haver uma decisão sobre um futuro aeroporto.  

Ao problema da infra-estrutura somam-se outros que são semelhantes aos de vários aeroportos mundiais: falta de mão-de-obra em serviços como a segurança e o tratamento de bagagens (o chamado handling), conflitos laborais que resultam frequentemente em greves e, no caso português, os problemas do SEF.

O que se passa com o SEF?

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, responsável por controlar a entrada de viajantes no país, encontra-se numa situação grave há vários anos, com a saída de centenas de profissionais e um acréscimo de trabalho em todas as frentes. 

Depois do escândalo da morte de Ihor Homenyuk, um cidadão ucraniano espancado nas instalações do SEF no aeroporto de Lisboa, e depois de vários casos de má gestão deste serviço (há esperas de vários anos para renovar documentos ou simplesmente para ser-se atendido), o Governo decidiu extinguir o SEF no início deste ano e passar as suas responsabilidades para a PSP, a GNR e o Instituto dos Registos e do Notariado. O problema é que esta transição está a ser lenta (com vários adiamentos) e confusa para todos os envolvidos (quem assume que responsabilidades e em que condições, o que vai acontecer aos funcionários e agentes do SEF, etc.), e a incerteza está a acelerar a saída ou a reforma de muitos trabalhadores do SEF, o que agrava os problemas deste serviço e a capacidade de responder a este momento de muito tráfego nos aeroportos portugueses. 

Perante este cenário, o Governo decidiu reforçar o controlo de chegadas que era assegurado pelo SEF, durante este Verão, com mais de 100 agentes da PSP. Mas até este processo está a ser lento: os sindicatos da PSP estão a levantar dúvidas sobre a legalidade da medida, houve inicialmente poucos agentes a aceitar esta comissão de serviço, e a própria formação para a função demora tempo.

E o que se passa nos aeroportos de outros países?

Como temos visto, ao vivo ou pela televisão, o caos nos aeroportos repete-se em cidades como Londres, Dublin, Berlim, Frankfurt ou Amesterdão

Nesta última, a situação é tão grave que o próprio aeroporto, o terceiro maior da Europa, anunciou uma redução voluntária de 20% da sua actividade e pediu às companhias aéreas americanas para pararem de vender bilhetes para aquele destino durante o mês de Julho. E várias companhias europeias já tomaram a iniciativa de deixar de voar para Amesterdão, pelo menos temporariamente, optando antes por Roterdão como porta de entrada nos Países Baixos.

Ao lado, na Alemanha, no aeroporto de Berlim-Brandemburgo, o processamento de bagagens está a ser tão demorado que companhias como a easyJet estão a incentivar os passageiros a deixar as suas malas no aeroporto de véspera.

O que está na origem destes problemas?

Como já se disse, o número de viajantes disparou nos últimos meses, com a maioria dos países a reduzir restrições relacionadas com a covid-19 e muitas pessoas e famílias a terem finalmente a oportunidade de concretizar planos de férias que foram adiados durante alguns anos, bem como o retomar de grandes eventos como congressos, feiras internacionais, torneios desportivos ou festivais de música. Em Portugal, os números do turismo já andam próximos dos de 2019, ano do último Verão pré-pandémico. 

Isto, por si só, representaria um desafio para qualquer aeroporto ou companhia aérea. O problema é que há agora muito menos trabalhadores indispensáveis ao transporte aéreo, como pilotos, assistentes de bordo, assistentes em terra, seguranças, trabalhadores de handling ou técnicos de manutenção. Isto porque as empresas do sector despediram milhares de funcionários no início da pandemia, devido ao colapso do tráfego aéreo. 

Alguns números: a alemã Lufthansa passou de 138 mil trabalhadores em 2019 para 100 mil em 2020. A Air France-KLM passou de 83 mil para 72 mil no mesmo período. A Swissport, que gere bagagens, lounges e outros serviços em mais de 300 aeroportos em todo o mundo, desceu de 64 mil para 45 mil trabalhadores. 

Recontratar esses mesmos trabalhadores ou encontrar e formar novos funcionários está a revelar-se muito difícil, sobretudo no handling, nas bagagens, onde muitos profissionais foram absorvidos por áreas em crescimento onde se paga melhor e onde não há horários tão duros como nos aeroportos. Eis o que Tim Clark, presidente da Emirates, dizia recentemente à Bloomberg: "Toda a gente pergunta: para onde é que eles foram? E a resposta é sempre a mesma: a Amazon". O responsável pela companhia aérea do Dubai referia-se aos grandes armazéns de processamento de encomendas da empresa de comércio online de Jeff Bezos, que teve um enorme crescimento durante a pandemia. 

Mas haverá mais "culpados", já que sectores como o turismo e a construção, entre outros, também têm tentado conquistar a mão-de-obra que lhes falta. Em relação a estes, o sector aéreo têm ainda outra desvantagem: o processo de contratação é normalmente lento, pois há verificações de segurança obrigatórias quando se trata de aeroportos e de aviões, e que podem levar meses a concluir.

Perante tudo isto, os (poucos) trabalhadores do sector aéreo têm conquistado mais argumentos para negociar melhores condições junto dos empregadores. Mas as empresas não têm respondido positivamente às exigências dos sindicatos, e têm-se multiplicado as greves nesta área, como a recente paralisação na Ryanair, o que se torna noutra razão para o caos nos aeroportos europeus.

Nos Estados Unidos e no Canadá, apesar de haver diferenças importantes em relação à Europa, sobretudo na questão do poder dos sindicatos, o cenário de caos nos aeroportos causado pela falta de trabalhadores também tem sido semelhante ao europeu.

Porque é que as companhias aéreas não pagam mais para resolver o problema?

As companhias aéreas, que arrastam consigo todo o sector da aviação, apontam sobretudo para o forte aumento do preço do petróleo, por sua vez relacionado com a guerra na Ucrânia, como a principal razão para a subida dos custos da actividade, que dizem ser incompatível com uma subida dos salários.

Ao mesmo tempo, os investidores, os bancos e os governos que emprestam dinheiro às companhias aéreas estão cada vez menos dispostos a continuar a fazê-lo, pois prevêem um retorno cada vez menor do seu investimento. Ou seja, as transportadoras estão condenadas a fazer mais com menos dinheiro, ou a fechar portas (e já soa o alarme em várias grandes companhias, como a Scandinavian Airlines).

Para os trabalhadores, isto significa menos perspectivas de negociar melhores condições. Para os consumidores, o resultado passa por bilhetes mais caros. A era de voar barato pode estar a acabar.

Até quando vai durar esta situação?

Os aeroportos e companhias aéreas prevêem que o cenário de filas e cancelamentos relacionados com a falta de trabalhadores poderá manter-se por vários meses. Mais difícil é prever quanto mais tempo se arrastará o problema do financiamento das transportadoras e a questão do petróleo, que poderá levar ao desaparecimento de várias companhias e a uma era de novos preços para quem viaja. Em Portugal, onde o caos das últimas semanas se concentra sobretudo em Lisboa, os problemas específicos do aeroporto Humberto Delgado estão dependentes de questões como o futuro do SEF e, sobretudo, o futuro da própria infra-estrutura. Algo que ainda levará anos a resolver.

Na próxima segunda-feira tentaremos descomplicar outro tema que marca as notícias. Entretanto, um desafio para os leitores do P3: o que podemos fazer para melhorar este site? Temos um inquérito para preencher aqui, e mais explicações aqui. Boa semana!