Infertilidade: a ciência ao serviço da esperança

São muitas as pessoas que, no mundo, vivem o pesadelo da infertilidade. Felizmente, as técnicas de tratamento disponíveis são cada vez mais eficazes, com vista a ajudar na concretização do sonho de gerar um filho.

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Photographer: Ugurhan BETIN

Tendo em conta a complexidade e quantidade de factores envolvidos na avaliação da infertilidade, não é fácil conhecer com exactidão o número de pessoas que vivem de perto com este problema. Ainda assim, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 48 milhões de casais e 186 milhões de indivíduos do mundo inteiro sejam afectados por esta doença, a infertilidade[1]. Quanto à realidade portuguesa, os resultados do primeiro estudo epidemiológico sobre o assunto realizado no nosso país dizem-nos que 9 a 10% dos casais sofrem de infertilidade ao longo da vida, ou seja, entre 260 e 290 mil casais têm problemas em gerar um filho[2]. Mas a esperança é real e, de acordo com a mesma pesquisa, mais de 100 mil casais reúnem critérios para beneficiar de tratamentos de infertilidade com vista à resolução do problema. Com efeito, as técnicas existentes para tratar a infertilidade estão cada vez mais evoluídas, permitindo a mais pessoas concretizar o desejo de ter um filho. Mas que técnicas são essas e quais as taxas de sucesso alcançadas, foi o que procurámos saber junto do médico especialista em medicina de reprodução, Pedro Xavier, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução (SPMR), que destacou ainda as formas de se contribuir activamente para a prevenção deste problema.

De acordo com a OMS, a infertilidade é uma doença do sistema reprodutor masculino ou feminino, assim diagnosticada quando ao fim de, pelo menos, um ano de relações sexuais, desprotegidas a gravidez não se verifica.

Nessa altura, é aconselhável recorrer a aconselhamento médico para se tentar perceber o que é que está a dificultar a concepção. Todavia, como realça o médico especialista, Pedro Xavier, “nas mulheres com mais de 35 anos considera-se pertinente, ao fim de seis meses de tentativas sem sucesso, fazer-se um ponto de situação”, mas “não se pode falar ainda em infertilidade”.

PMA – técnicas que (também) dependem da idade

Denominam-se técnicas de procriação medicamente assistida (PMA) todas as que permitem o tratamento da infertilidade. Segundo o médico especialista, Pedro Xavier, em causa estão “técnicas que implicam manipulação de gâmetas, em geral, a colheita de ovócitos e a sua fecundação posterior com os respectivos espermatozóides em laboratório”. Este é o conceito base da PMA, o qual foi depois sendo alargado à medida que as técnicas foram evoluindo. “A primeira técnica nesta área foi a fertilização in vitro [FIV], mas actualmente outras técnicas são também levadas a cabo, como é o caso da transferência de embriões criopreservados, ou a biopsia embrionária para despiste de anomalias no embrião e a selecção de embriões não alterados geneticamente e responsáveis afectados por doenças consideradas graves.​

Quanto às taxas de sucesso destas técnicas, o especialista em Medicina da Reprodução explica que “os valores dependem de algumas variáveis, a mais importante das quais é a idade da mulher”, ou seja, “são técnicas que têm uma eficácia decrescente à medida que a idade da mulher vai sendo maior”. Com efeito, se a idade da mulher é um dos factores que pode estar na origem da causa da infertilidade, também o sucesso da PMA acaba por depender bastante desta dimensão. “A mulher é mais determinante no sucesso das técnicas, porque a qualidade dos ovócitos determina em muito a eficácia das técnicas que estamos a utilizar”, afirma o clínico. Assim, por exemplo, “a FIV tem, numa mulher entre os 32 e os 35 anos, 50% de probabilidade de uma gravidez por cada tentativa; se estivermos a falar de uma mulher de 40 anos, essa taxa de sucesso baixa para cerca de 20 a 25% e andará nos 10 a 15% nas mulheres com mais de 42 anos”.

Quais são as causas da infertilidade?

A infertilidade pode ter várias causas, tanto relacionados com a mulher como com o homem. No que diz respeito à infertilidade masculina, Pedro Xavier refere que esta tem vindo a aumentar bastante, sendo que “hoje em dia, quase 50% de todos os casos de infertilidade são de causa masculina e devem-se muito a factores relacionados com o estilo de vida mais ocidental, como o sedentarismo, a alimentação menos saudável, o excesso de peso, o hábito tabágico e o consumo de bebidas alcoólicas”. A estes juntam-se os “factores que não controlamos, como é o caso dos relacionados com a poluição ambiental”, acrescenta.

Quanto às causas da infertilidade feminina, o ginecologista aponta “os problemas de ovulação como factor importante, as alterações anatómicas, nomeadamente, a obstrução das trompas uterinas, ou problemas do útero”. Contudo, salienta que “cada vez mais, na mulher, se nota que o factor mais difícil de ultrapassar é mesmo a questão da idade”. “Muitas vezes, temos mulheres ou casais a quem fazemos o estudo completo e não encontramos propriamente uma razão explicativa daquela dificuldade em engravidar, a não ser o facto de a mulher já ter 40 ou 42 anos. Portanto, passa a ser a própria idade um factor de infertilidade também”, afirma, reforçando que “o Cartão de Cidadão é talvez o indicador de prognóstico mais importante que a mulher tem”.

Ainda assim, “há outros aspectos do estudo do casal que têm um valor prognóstico muito alto”, diz, dando como exemplo o doseamento de hormonas, que indica qual é o grau de reserva ovárica que uma determinada mulher tem. “Se a mulher tiver essa reserva ovárica comprometida, a taxa de sucesso será mais baixa do que numa mulher na mesma idade com uma reserva ovárica boa”, explica, lembrando que essa reserva ovárica vai diminuindo com a idade e que a qualidade dos óvulos é igualmente importante, não havendo nenhuma análise para a medir.

Preocupação dos mais novos?

Mas não se pense que a infertilidade deve ser um problema a ocupar a mente apenas de quem avança na idade. Pelo contrário, Pedro Xavier sublinha que deve ser uma preocupação também dos mais jovens, ao ponto de a SPMR ter mesmo lançado a campanha Cuida da Tua Fertilidade, destinada a “sensibilizar precisamente os jovens para hábitos de vida mais saudáveis e, no caso das mulheres, para não adiarem excessivamente a maternidade”. Nas palavras do clínico, “idealmente, o projecto parental deveria concretizar-se antes dos 30 anos, isso seria a condição ideal, até porque o pico da fertilidade da mulher ocorre entre os 23 e os 24 anos”, salienta, destacando o grande impacto que o estilo de vida tem também na fertilidade feminina, nomeadamente, o tabagismo, a obesidade e a ingestão de bebidas alcoólicas.

Uma das opções que surge frequentemente associada à fertilidade e à idade da mulher relaciona-se com o congelamento dos óvulos para sua utilização posterior. Pedro Xavier reconhece que aquilo que se designa por “criopreservação por razões sociais” tem sido cada vez mais procurada, sobretudo por mulheres como o objectivo de “poderem adiar a maternidade, mantendo uma expectativa de sucesso em relação aos óvulos congelados”. Porém, também aqui há questões a ponderar: “O problema é que as taxas de sucesso da utilização desses óvulos também não são muito altas. Podemos falar em 30 a 40% de probabilidade de uma mulher engravidar recorrendo a esses óvulos previamente criopreservados.” Além de que as taxas de sucesso estão, mais uma vez, ligadas à idade em que a mulher fez a congelação. “Não aconselhamos mulheres com mais de 40 anos a fazerem congelação de óvulos, porque as taxas de sucesso aí são próximas de 0%”, refere, apontando a faixa etária dos 30 aos 35 anos como a mais adequada para a congelação, com “taxas que podem andar os 40% ou até 50% nos melhores casos”. Assim, em termos práticos, “uma mulher com 30 anos congela óvulos e adia a maternidade até aos 40/42 anos; se não conseguir engravidar de forma natural, vai usar os óvulos que guardou, mas tem 40 ou 50% de probabilidade de engravidar. E se não engravidar com esses óvulos que congelou, a probabilidade depois de ter sucesso mais tarde com os seus próprios óvulos nessa idade [40/42] é muito baixa”, avisa. Desta forma, o ginecologista alerta para o facto de esta ser uma técnica que “pode ser perversa, no sentido de a mulher poder pensar que tem ali quase como um seguro, uma garantia”. Ainda assim, as técnicas de criopreservação “são ferramentas úteis, têm uma utilidade muito grande”, por exemplo, em mulheres ou homens que se vão submeter a tratamentos que têm uma acção muito hostil contra os gâmetas, como a quimioterapia”, esclarece.

Mitos e conselhos

Pedro Xavier admite que existem muitos mitos em torno da questão da infertilidade, mas o que, na sua opinião, mais importa esclarecer é o que se prende com “a ideia de que os tratamentos de infertilidade resolvem os problemas todos”, pois pode não ser assim. Por outro lado, apela à necessidade de se manter a calma, pois “conseguir uma gravidez deve ser encarado da forma mais natural, sem grandes regras e sem recorrer a grandes acessórios ou auxiliares, como gráficos de temperatura ou testes de ovulação, quando os casais ainda estão numa fase inicial”. “Deixem tranquilamente as coisas acontecer e estejam atentos; se ao final de algum tempo virem que algo não está bem ou não estão a ter sucesso então aí recorram a um especialista que os aconselhe, pois é assim que deve ser”, adverte.

Por outro lado, quando o caminho passa mesmo por recorrer ao tratamento da infertilidade, o médico aconselha os casais a serem perseverantes, “no sentido de não desistirem facilmente, porque este é um caminho difícil, é um caminho que é feito de quedas, de ter de levantar e cair outra vez e os resultados negativos dos tratamentos são muito duros de gerir”. Ou seja, os casais “devem estar preparados para lidar com o insucesso”. Ao mesmo tempo, sublinha uma mensagem de esperança, porque “os tratamentos melhoraram muitíssimo, as técnicas estão muito avançadas do ponto de vista tecnológico”.

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8º Congresso Português de Medicina da Reprodução, realizado em Ponta Delgada, Açores

[1] World Health Organization (2020), Infertility – Fact Sheet, disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/infertility.

[2] Universidade do Porto, “FMUP: 9% dos casais portugueses são inférteis”, disponível em: https://sigarra.up.pt/fmup/en/noticias_geral.ver_noticia?p_nr=1584.