É uma ideia optimista: a de que há pessoas dispostas a pagarem para que os seus dados não sejam transaccionados e a de que a privacidade paga poderia ser um modelo para negócios online

É, também, uma ideia com uma falha: os montantes que os utilizadores pagariam não chegaria para sustentar as empresas online que vivem dos dados. E esta é uma conclusão a que se chega fazendo cálculos com base no máximo que os utilizadores dizem estar dispostos a gastar; situação que é muito diferente de puxar efectivamente do cartão bancário.

Segundo um inquérito nos EUA, feito por uma empresa de marketing, alguns utilizadores pagariam 12 dólares (cerca de dez euros) mensais para terem privacidade total online. Já um estudo académico de finais do ano passado, também nos EUA, indicou que 16% dos inquiridos estariam dispostos a pagar mais de 9,99 dólares por privacidade no Facebook (e dois terços estão satisfeitos com o actual modelo). Há outros inquéritos do género, com valores não muito diferentes.

Façamos contas simples para ver até onde chegaria um plafond de privacidade de 12 dólares, o mais elevado daqueles valores. E, uma vez que as perguntas foram feitas a pessoas nos EUA, usemos os valores desse país, sempre que possível.

O Facebook, em conjunto com o Instagram e o WhatsApp (que não tem anúncios), teve no trimestre passado receitas médias por utilizador na América do Norte de 48,03 dólares; ou seja, 16 dólares mensais. O tal utilizador dos EUA disposto a pagar 12 (teóricos) dólares por mês já não conseguiria ter estes serviços.

Poderia usar o Twitter: o serviço tem uma receita média mensal por utilizador de 3,9 dólares. Quase de certeza que sobraria para o YouTube: em termos globais, o site factura cerca de um dólar mensal por utilizador registado – mas este valor será muito mais alto considerando apenas o mercado norte-americano (a empresa não publica dados que permitam o cálculo).

Por outro lado, não conseguiria ter acesso aos serviços do Google, o que inclui o motor de busca e o Gmail. 

Somem-se todos os sites informativos (ou de entretenimento) que são "grátis", uma vez que vivem de publicidade, ou uma mão-cheia de podcasts, e os 12 dólares mensais revelam-se curtos.

Há muitas nuances. Uma delas é que as receitas por utilizador das grandes plataformas têm vindo a subir todos os anos; em alguns casos, com variações de dois dígitos, algo que não seria possível fazer com os preços. Outra é que as tecnológicas tendem a extrair menos dinheiro dos dados dos utilizadores na Europa: dez ou doze euros chegariam aqui mais longe. 

E o leitor, quanto pagaria por privacidade? E que escolhas faria se tivesse dez euros para gastar?

Digno de nota

- Portugal deixou o grupo de países mais inovadores da UE, caindo sete lugares no ranking da inovação e interrompendo assim o ciclo de subidas anuais que se registavam desde 2014. Mudanças de metodologia no indicador justificam ressalvas nas comparações directas com o relatório do ano anterior – mas as alterações afectaram todos os países e Portugal acaba por sair pior na fotografia. A generalidade dos dados foi captada antes da pandemia, pelo que eventuais impactos do combate ao coronavírus não estão reflectidos no relatório.

- O software de espionagem é o lado mais obscuro da startup nation que é Israel. O caso Pegasus veio revelar que software de espionagem da empresa israelita NSO é usado por vários Estados, ditaduras incluídas, para vigiar activistas, jornalistas, políticos e funcionários governamentais. Mas a NSO não é apenas uma qualquer empresa privada o Pegasus é classificado por Israel como sendo uma arma e, como tal, a venda só pode ser feita a outros Estados e tem de ser autorizada pelo Governo. Além disso, uma parte dos funcionários da NSO vêm da unidade de elite de ciberespionagem israelita. E o CEO e co-fundador da empresa é um ex-comandante militar

- Ainda a propósito da catadupa de críticas aos esforços de turismo espacial levados a cabo por multimilionários, fica a crónica do Vítor Belanciano: Não é como o gastam, mas como o ganham. E, apesar das descolagens recentes e de todo o mediatismo, nem Jeff Bezos, nem Richard Branson são considerados astronautas.

- No Financial Times, uma forma muito interessante de abordar a tecnologia de reconhecimento facial e os problemas que lhe estão associados. Experimente

- Com a chegada de Agosto, uma recomendação de leitura: Klara e o Sol (Gradiva), do prémio Nobel da Literatura Kazuo Ishiguro, um romance de ficção científica, narrado por uma Amiga Artificial, um robô dotado de inteligência artificial, que se consegue comportar quase como um humano e que foi criado para fazer companhia a crianças e adolescentes. O livro não descreve em detalhe o futuro distópico em que a acção decorre, mas é um mundo em que trabalhadores são substituídos por máquinas e em que muitas crianças são melhoradas via manipulação genética. Para aguçar o apetite, a crítica da Isabel Coutinho, no Ípsilon, publicada em Março.

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