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Colômbia: ultrapassar a memória de um massacre

Nueva Venecia é uma aldeia de dificil acesso, plantada no rio, e composta por cerca de 400 casas
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Nueva Venecia é uma aldeia de dificil acesso, plantada no rio, e composta por cerca de 400 casas

Existe, num lugar remoto da Colômbia, uma pequena aldeia piscatória composta por 400 casas que permanecem suspensas sobre as águas do rio Magdalena desde 1847. Para os habitantes de Nueva Venecia, "a água é mais preciosa do que o ouro". A ligação dos habitantes com o primeiro elemento é profunda e intrincada: dependem da pesca para substistir, consomem, sem quaisquer filtros, a água do rio para beber e cozinhar e usam-na para alcançarem aldeias vizinhas. A poluição das águas que os amparam — que é, actualmente local para onde são escoados os residuos domésticos de 12 províncias colombianas — constitui uma ameaça à sobrevivência dos nueva-venecianos. O peixe de que dependem para sobreviver diminui nos caudais e torna o que ainda resiste impróprio para consumo. O projecto documental "Dulce y Salada", do fotógrafo antropólogo colombiano Jorge Pachangoa, não tem como objectivo, no entanto, debruçar-se apenas sobre a temática ambiental e financeira. Pachangoa pretende, com o projecto, fixar algo imaterial, invisível: a ligação deste povo às suas raízes, a sua memória, aquilo que torna Nueva Venecia o lugar que é, fruto do que está contido na memória e identidade dos seus habitantes. Um dos mais interessantes aspectos desta procura, refere o antropólogo, é o contacto com a memória dos residentes. "Comecei por me aproximar dos mais idosos", contou ao P3, em entrevista via Skype. "Eles têm as memórias mais antigas do lugar." A fixação deste povo neste lugar remoto é difícil de explicar. "Queria saber a sua história, onde tinham estado, porque escolheram aquele lugar no meio da água, a quiilometros de outras povoações." Para chegar a Nueva Venecia, Pachangoa tem de utilizar diversos meios de transporte: começa por apanhar um avião desde Bogotá até Tasajera e de seguida um taxi até à margem do rio. Atravessa Magdalena de lancha e chega a Sitio Nuevo, de onde apanha uma moto-taxi que o leva até outra aldeia; dali apanha uma nova lancha que demora cerca de duas horas até chegar a Nueva Venecia. "Se sair às 5h de Bogotá, chego às 17h a Nueva Venecia. São 12 horas, é longe", explica o fotógrafo. A distância não separou a população da aldeia de um massacre perpetrado pelas "Autodefensas Unidas de Colombia", em Novembro do ano 2000, que vitimou entre 35 a 40 pessoas. Os habitantes referem que os números poderiam subir facilmente até às 70 vítimas, mas o desaparecimento dos corpos empobreceu a contagem oficial. Depois do massacre, a população abandonou a aldeia e permaneceu, temporariamente, em aldeias vizinhas. Os ex-residentes voltaram meses depois, para começar uma nova vida, mas com o fardo de uma herança negra e pesada sobre a memória. É sobre a ideia de memória social (ou colectiva) que o antropólogo se debruça. "A água é como a memória social", aponta. "A água existe em diversos estados e em constante mudança, tal como a memória." O facto de poucas pessoas da aldeia saberem escrever torna raros os registos e mais livre e fluida a memória e as narrativas históricas. Ao longo do desenvolvimento do projecto, Pachangoa foi recolhendo testemunhos e registando o som ambiente da aldeia — desde as actividades piscatórias até ao interior das casas. Fez recolha de vídeo e de objectos que encontrou no rio Magdalena — que posteriormente fotografou. O maior desafio foi conseguir acesso ao interior das casas, onde as mulheres se refugiam na intimidade familiar. "Sao muito reservadas", explica. "Passam quase todo o tempo em casa. Os homens saem para a pesca e as mulheres quase não saem. Vivem encerradas com a família." No entanto, passados oito anos de visitas, os moradores de Nueva Venecia conhecem bem Pachangoa. "Comecei a criar laços de amizade. Convidam-me a tomar cafe, perguntam pelas fotografias. A Antropologia ensinou-me a ouvir as pessoas, a receber aquilo que têm para dar-me, e assim travo muitas amizades. Posso dizer que fiz, em Nueva Venecia, muito mais amigos do que fotografias." Está prevista para a segunda metade de 2017 a publicação de um site que irá conter todos os materiais recolhidos por Pachangoa: infografias, vídeos, audio, fotografias e mapas. O fotógrafo já publicou "Dulce y Salada" na revista National Geographic, L'Oeil de la Photographie e no jornal espanhol El Periodico.

As casas estão construidas sobre estacas
Pescador segura taínha na mão. A taínha é o peixe mais abundante em Nueva Venecia
Fios e cordas de pesca suspensos em Nueva Venecia
Jesus Camacho retira solo do fundo do pântano para construir um viveiro
Peixe congelado num blogo de gelo. Pachangoa congelou diversos seres e objectos da aldeia, para preservá-los
Os pescadores de Nueva Venecia continuam a trabalhar, apesar da idade avançada
Mulher sentada em sua casa, em Nueva Venecia
Yamile é dona de casa, tem albinismo, e posa sobre taínhas secas em sua casa, em Nueva Venecia
Maria é aluna da preparatória e sonha em abandonar Nueva Venecia para estudar e encontrar novas oportunidades
Peixe congelado num blogo de gelo. Pachangoa congelou diversos seres e objectos da aldeia, para preservá-los