Uma russa, Fernando Pessoa e o fotolivro do desassossego

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Existe uma solidão poética nas fotografias de Alisa Resnik algo difícil de expressar por palavras. Talvez quietude, desassossego, um tédio cinematográfico que nos envolve como se de uma ode ao 'noir' se tratasse. A fotografia da imigrante russa em Berlim é o registo da sua deambulação pelas ruas e bares da cidade que a acolheu "de forma superficial". Vive em Berlim desde os 14 anos de idade, altura em que começou a ler Fernando Pessoa. "O 'Livro do Desassossego' andava sempre comigo. Cresci com Fernando Pessoa." A estrutura fragmentada mas harmónica do "Livro do Desassossego" pode ser comparada à estrutura de "One Another", livro composto também por fragmentos que expõem diferentes sensações e pensamentos. "Acho que existe uma ligação porque algumas frases do livro são tão bonitas... E o meu trabalho também é assim. Não quero comparar-me, de todo, ao Fernando Pessoa, não me atreveria, mas acho que no fundo era o que pretendia fazer. A sensação de olhar uma ou duas imagens e sentir aquela beleza, como se sente nas suas frases. Nada mais do que isso." Grande parte das fotografias que compõem "One Another" foram tiradas durante a noite de Natal, em Berlim. "A minha família vive em S. Petersburgo e na Rússia a celebração do Natal não é nos mesmos dias, 24 e 25. Todos os meus amigos se ausentam da cidade, é uma altura muito depressiva. Não tenho nada que fazer senão sair e fotografar", disse em entrevista ao P3 via Skype. É o que faz. Não procura o insólito ou o bizarro, mas por vezes não consegue evitá-los. As pessoas que fotografa são uma mistura de pessoas amigas e de estranhos que conhece nos bares, sozinha. "O facto de eu ter uma câmara comigo altera totalmente a situação. Parece uma banalidade, mas quando tens uma câmara na mão acabas por viver situações que não viverias se não tivesses." Numa noite de Natal, Alisa resolveu ir a um dos bares menos recomendáveis em Berlim. "Encontrei um homem que parecia ter 50 anos. Estava acompanhado por uma senhora de uns 70 anos. Ela viu a minha câmara e insistiu: 'tens mesmo de lhe tirar uma fotografia, ele tem um corpo muito bonito e atlético'. Então em dois minutos ele estava todo nu. Estava nu apenas para esta fotografia. Ela estava muito orgulhosa do namorado por ser muito mais jovem que ela. Tirei duas fotografias e o dono do bar aparece, zangado: 'o que estão a fazer?' e eu pensei para mim 'como me fui colocar nesta situação em apenas dois minutos?' Foi bizarro. Eu não procuro o bizarro, mas por vezes também é engraçado viver algo incomum." (ver fotografia número 25 desta galeria). Alisa é empregada num bar em Berlim. "A experiência em restaurantes e bares é importante porque tens de abordar as pessoas. Vejo quem chega e como se comporta. O processo é semelhante quando tens uma câmara na mão. Um restaurante ou bar é um óptimo local de observação sem que ninguém note. Fico invisível e isso é bom." A fotógrafa pertence à agência Prospekt, onde pertencem também os fotógrafos Mads Nissen, Scott Typaldos e Raffaele Petralla, autores publicados recentemente no P3. Ana Marques Maia