Limpeza de "David", de Miguel Ângelo, gera polémica

Quase a fazer 500 anos, a estátua de "David", de Miguel Ângelo, uma das mais famosas esculturas do mundo, está no centro de um agitado debate. Em causa estão os métodos a aplicar pelos conservadores para que a obra do mestre da renascença possa recuperar o seu esplendor original. Os especialistas dividem-se entre o "banho" (aplicação de compressas embebidas em água destilada), por muitos considerado "radical", e a limpeza a seco, capaz de remover a sujidade superficial. A Galeria da Academia de Florença, onde a escultura está exposta desde 1873 (depois de 300 anos ao ar livre na Piazza della Signoria), já recebeu uma petição assinada por 40 especialistas internacionais exigindo que a situação seja analisada por uma comissão independente. Os signatários estão contra a técnica "molhada" que o museu italiano quer utilizar e que já levou ao afastamento de Agnese Parronchi, a conservadora inicialmente encarregue de dirigir os trabalhos. Parronchi demitiu-se em Abril por discordar da política de intervenção promovida pela administração e já aprovada pelo governo italiano, defendendo que a limpeza deverá ser feita apenas com escovas e pincéis. Para a especialista, a água vai tornar a superfície da estátua demasiado uniforme, escondendo as cores e veios originais do mármore, explicou ao diário britânico "Independent". Em contraponto, a directora da galeria, Franca Falletti, garante que a limpeza a seco não será capaz de devolver à obra de Miguel Ângelo o esplendor que faz dela um ícone da juventude e beleza eternas. "Vai ser difícil ver uma diferença drástica a olho nu", disse Falletti à BBC.O método a utilizar nos trabalhos de limpeza, que deverão começar em Setembro e prolongar-se até Março de 2004, ano do quinto centenário, ainda não está decidido. Tudo está agora nas mãos do superintendente da arte de Florença, Antonio Paolucci, um reconhecido activista em causas de conservação do património cultural. Apesar de não ter dado ainda quaisquer indicações formais do sentido da sua decisão, Paolucci respondeu já à petição apresentada através do Artwatch International (grupo sediado nos Estados Unidos e dirigido por James Beck, professor na Universidade de Columbia). "Somos [os italianos] os melhores no campo do restauro a nível internacional. Não há qualquer necessidade de dramatizar aquilo quer é apenas uma limpeza superficial, sob supervisão", disse.No documento a que o diário britânico "The Guardian" teve acesso, Beck defende que nada deve ser feito antes da análise de um grupo independente de peritos. Tudo porque a escultura de Miguel Ângelo é um tesouro da humanidade que não corre qualquer risco imediato: "Dado o genuíno conflito de metodologias e o facto, reconhecido por ambas as partes, de que a estátua não está em risco, nós, os abaixo-assinados, acreditamos que a decisão deve ser adiada."Numa carta aberta em resposta ao grupo presidido pelo historiador norte-americano publicada no diário italiano "Corriere della Sera", Cristina Acidini, directora do Opificio delle Piettre Dure, responsável pelos estudos científicos que antecedem a intervenção, diz que não pretende ver a limpeza de "David" transformada num "vulgar assunto de lavandaria". Enquanto Beck defende o método que recorre a escovas e pincéis, Acidini prefere as compressas embebidas em água destilada. O processo de limpeza, precedido por um cuidadoso levantamento fotográfico e uma análise completa das patologias que a escultura evidencia, tendo em vista uma posterior intervenção de restauro, não está ainda orçamentado. Para já os custos estão a ser suportados, na sua maioria, por um mecenas holandês. Estrelas como Sting e Mel Gibson fazem parte de um grupo que pretende doar 715 mil euros ao museu italiano para que "David" perca as camadas de cera utilizadas em restauros anteriores, o mais grave dos quais - com ácido clorídrico - feito há mais de 150 anos. A intervenção, preparada durante os últimos 11 anos, vai decorrer fora dos horários de funcionamento do museu, o que faz com que mais de 1,2 milhões de visitantes/ano não sejam privados de uma das obras-primas da escultura.

Sugerir correcção