Bucareste, Roménia, 1989 Alfredo Cunha
Jamba, Angola, 1990 Luís d'Orey
Eugénio de Andrade na praia de Francelos, Vila Nova de Gaia, 1990 José Rocha

Se uma imagem for boa, queremos guardá-la quanto tempo?

Protestos na linha de Oeiras, 1990 Rui Gageiro
Naufrágio do navio Boulman, Peniche, 1993 Bruno Portela
Linha de demarcação entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, 1993 Luís Vasconcelos

A matriz da fotografia do PÚBLICO é o espaço para os fotógrafos terem a sua própria voz

Lara Jacinto, fotógrafa e comissária do livro

Protestos contra o aumento de portagens na Ponte 25 de Abril, Almada, 1994 Carlos Lopes
Manifestação de estudantes junto à Assembleia da República. Esta fotografia deu origem à designação “geração rasca”, Lisboa, 1994 Luís Ramos

Não é apenas fotografia para comprovar acontecimentos

Família luso-angolana nos arredores de Luanda, Angola, 1994 José Manuel Ribeiro
Festival de música country, Nashville, Estados Unidos da América, 1994 Luísa Ferreira
Bobby Robson festeja o bicampeonato conquistado pelo FC do Porto, Porto, 1995 Adelino Meireles

Está ali a vida de Portugal nos últimos 30 anos

José Soudo, professor de História da Fotografia e comissário do livro

Mau tempo em Ponta Delgada, Açores, 1996 Paulo Carriço
Crianças vítimas da guerra civil, Cuíto, Angola, 1997 Miguel Silva
Incêndio numa drogaria, Monte do Estoril, 1998 Bruno Rascão
Yasser Arafat na sua suite no Hotel Ritz, Lisboa, 2000 Adriano Miranda

Arafat: um único fotograma

Fomos até ao Hotel Ritz em Lisboa. Eu e a Margarida Santos Lopes subimos bem alto no rápido elevador do hotel. Num grande hall, um segurança palestiniano revistou tudo o que havia para revistar - os nossos corpos, as nossas malas e até a minha máquina fotográfica. A porta da suíte abriu-se e lá dentro Yasser Arafat esperava por nós sentado num cadeirão. Decorreu talvez uma hora a nossa entrevista. No fim, Arafat levantou-se sorridente. Abraçou a Margarida e abraçou-me a mim. Depois deu dois beijos a cada um. Beijos felizes. Sorrimos e agradecemos muito. A porta abriu-se novamente. O mesmo segurança esperava que saíssemos. A Margarida saiu primeiro. Eu saí depois. E antes da porta se fechar, olhei para trás e num reflexo rápido levei a máquina fotográfica à cara e fiz esta fotografia. Um único fotograma. Uma fotografia para a capa do PÚBLICO.

Adriano Miranda

Incêndio no parque de estacionamento do Festival Andanças, Castelo de Vide, 2016 Enric Vives-Rubio

Estes 30 anos são um bom exemplo do poder do fotojornalismo em Portugal

Ilhéu das Rolas, São Tomé e Príncipe, 2008 Hugo Delgado
José Sócrates, Bertiandos, Ponte de Lima, 2000 Paulo Ricca
Cegonha electrocutada num poste de alta tensão que provocou um apagão na região de Leiria e Figueira da Foz, 2000 Mário Marques
Peça de teatro “My name is Wild, Oscar Wild”, de Francisco Camacho, 2001 Miguel Madeira

Há uma estética e uma abordagem aos acontecimentos que é diferente. Não ter medo de estar à frente do sujeito que se está a fotografar

Luis Filipe Catarino, fotógrafo e comissário do livro

Protestos durante a cimeira do G8, Génova, Itália, 2001 Dulce Fernandes
Queda da ponte Hintz Ribeiro, Castelo de Paiva, 2001 Manuel Roberto

O dia em que odiei água

Com um dos mestres do jornalismo, António Arnaldo Mesquita, hoje aposentado a tratar das suas vinhas, tive a infelicidade de testemunhar umas das piores tragédias em Portugal. Dia 4 de Março de 2001, pelas 21h15. Ouvi na rádio que a ponte Hintze Ribeiro, em Entre-os-Rios, tinha colapsado. A caminho de Castelo de Paiva, numa silenciosa e angustiante viagem, soubemos que o rio engolira 59 pessoas. Um pesadelo, do qual julgo nunca ter despertado. Junto do que sobrava da ponte, no breu da noite, o Douro teimava em seguir o seu curso num silêncio aterrador. Ficámos a noite inteira acordados a olhar para aquele caudal que corria como se nada fosse

Sentíamo-nos como se procurássemos notícias de familiares. Partilhámos uma vontade hercúlea de esvaziar todo aquele rio. Com o amanhecer, a brutalidade da tragédia revelou-se: uma sensação de vazio e comoção pela ausência humana, transmitida por toda aquela amálgama fria de betão e metal incapaz de suportar pessoas. Foi um dos mais desoladores dias da minha vida profissional.

Manuel Roberto

Demolição do bairro São João de Deus, Porto, 2004 Nelson Garrido

Bairro de São João de Deus

O bairro de São João de Deus sempre foi um lugar mítico para fotografar. Lembro-me duma manhã em que recebo um telefonema, por volta das sete horas, a avisar que blocos do Bairro estavam a ser demolidos. Tinha de ir para lá. O dia tinha nascido cinzento e com uma chuva persistente. Quando lá cheguei deparei-me com um cenário digno dos filmes italianos. Na altura ainda fotografava com película e lembro-me de tentar proteger os filmes o máximo da chuva. Lembro-me duma senhora me levar a mostrar as máquinas que avançavam sobre os blocos, vi pessoas a carregar colchões na cabeça. A foto da senhora acusadora foi capa do jornal no dia seguinte.

Nelson Garrido

Criança subnutrida, Moçambique, 2004 Fernando Veludo

Se o PÚBLICO se assumiu como um projecto contemporâneo de ler o mundo, a sua fotografia mantém desde as origens a preocupação de o mostrar nas suas facetas menos óbvias, mais subliminares

Manuel Carvalho, director do PÚBLICO

Cidade de Kabul, Afeganistão, 2005 David Clifford
Incêndio numa fábrica de têxteis para automóveis, Nelas, 2006 Carla Carvalho Tomás
Dalai Lama, Lisboa, 2007 Pedro Cunha
Tenda da Cruz Vermelha para prestar auxílio aos estudantes universitários durante as noites da Queima das Fitas, Coimbra, 2009 Sérgio Azenha

Quem olha o acontecimento ou a pessoa retratada é o leitor, mas quem sugere que realidades valem ou não a pena observar é o fotógrafo

Fátima Lopes Cardoso, investigadora fotojornalismo na imprensa portuguesa

Mulheres que venceram o cancro, Ana Paula Lopes, Albergaria-a-Velha, 2019 Rui Gaudêncio

“A vida continua”

Duas horas e meia de viagem. Cheguei ao sítio combinado e conheci a Ana. Só tínhamos falado por telefone e mensagem duas ou três vezes. “Podemos fazer a fotografia ali”. Um corredor. Enquanto falávamos ia montando o cenário improvisado – dois tripés e um lençol - e o flash. Ana mudou de roupa ali mesmo e começamos a sessão. Menos de uma hora e o retrato aconteceu. Um assunto íntimo, duro e delicado. Uma série de seis retratos que acompanhou testemunhos na primeira pessoa de mulheres que tiveram cancro e o ultrapassaram. Guardo o que me disse uma delas, com um sorriso nos olhos: “Foi só um percalço...a vida continua”.

Rui Gaudêncio

Pobreza no Bairro do Lagarteiro, Porto, 2013 Paulo Pimenta

Senhora da Lágrima

Quando foi fotografada, em 2003, a senhora Maria morava no Bairro do Lagarteiro, no Porto, com um irmão com quem tinha vários problemas. Era um caso fora de controlo, de pobreza extrema, com problemas de alcoolismo associados. Quando começou a chorar, eu quis captá-la, mas sem que ela fosse reconhecida. É a minha “Senhora da Lágrima”.

Paulo Pimenta

Manuel Pinho faz um gesto impróprio ao deputado Bernardino Soares na Assembleia da República, Lisboa, 2009 Nuno Ferreira Santos

À velocidade de um click

Era um daqueles dias compridos do debate do Estado da Nação e o primeiro-ministro, José Sócrates, estava a discursar. Em termos de imagem, não havia nada de novo ali. Já tinha reparado que o ministro da Economia, Manuel Pinho, estava exaltado com o deputado do PCP, Bernardino Soares. Comecei a apontar a câmara para ele, porque pensei que poderia sair dali uma imagem diferente da habitual. Voltava ao Sócrates de vez em quando, mas, a maior parte do tempo, apontava para o ministro.

De repente, vi-o fazer um gesto muito rápido e fui verificar à máquina o que tinha sido. Quando vi o que ele tinha feito, decidi mandar a fotografia imediatamente para o jornal. O PÚBLICO colocou-a logo online. Foi extraordinário: minutos depois só se viam deputados debruçados sobre os écrãs a ver a fotografia e, num ápice, havia prints da imagem a circular na Assembleia da República. Mais ninguém tinha aquela fotografia. O que mais me impressionou foi a velocidade gigante a que tudo se processou, porque o jornalismo também mudou - as coisas não saem no dia seguinte, mas na hora. O ministro saiu por duas vezes da sala e à segunda já não regressou. No final, Sócrates anunciou que ele se tinha demitido.

Nuno Ferreira Santos

Imigrantes que trabalham na apanha de frutos vermelhos, Zambujeira do Mar, 2019 Miguel Manso

Sudeste asiático no Alentejo

Percorrendo as estradas junto à costa alentejana, a paisagem é dominada pelas estufas, um mar de plástico, como lhe chamam ambientalistas. São hectares e hectares de frutos vermelhos, saladas ou flores (em menor número). Com as estufas, a população imigrante aumentou no concelho de Odemira. As entidades oficiais têm dito que os imigrantes em freguesias como São Teotónio já correspondem a quase metade da população, a maioria do sudeste asiático, muito superior à média da população estrangeira em Portugal que não chega aos 4%.

Miguel Manso

Robert Mugabe, antigo presidente do Zimbabwe, na Cimeira Europa África no Pavilhão Atlântico durante a Presidência Portuguesa da União Europeia, 2007 Daniel Rocha

16:04:12 10-12-2007

O tempo, o nosso tempo, contrai e expande, acelera e trava desenfreadamente, pode congelar a todo o momento. Parece que alguém já terá demonstrado cientificamente o que todos nós comprovamos no dia a dia: o tempo relativiza-se a toda a hora. Verdade que um cientista provou há mais de um século mas que o homem ao desenhar nas paredes das cavernas já intuía e foi comprovando ao longo da história. Se o relógio da máquina fotográfica não me deixa errar, foi depois das 16h00 que entrámos por brevíssimos momentos para fotografar uma sala cheia de grandes figuras da cena política mundial. Confusão imediata e absoluta. A qual é que vou primeiro? Caos total. Tudo ao molho e fé em Deus, seja ele de quem for. Entre os alvos mais apetecíveis nesse palco está o “dinossauro”/ditador Robert Mugabe, com muitos repórteres já à volta dele. O “animal político” posa para a imagem. Depois de o fotografar de frente, vamos para as costas dele. Tentar outros ângulos, outra abordagem. Arriscar.

Ao meu lado, colado a mim e eu colado a ele, reparo que está pela agência Lusa o meu amigo e colega André Kosters, que chama o ditador: “Mr Mugabe! Mr Mugabe!” Rimo-nos como dois putos escondidos por detrás da máquina. Mas resulta. Ele roda lentamente e vira-se para nós. Por sorte minha ou falta de ouvido dele, quero eu acreditar, olha para mim e não para o André. Para a minha objectiva. Para aquele pedaço de vidro circular, polido e polarizado. E participa num jogo que há muito sabe jogar. Olha fixamente. Um segundo que dura uma eternidade. Travagem total. Há momentos que duram uma eternidade e há eternidades que nos fogem numa fracção de segundo. Einstein, ainda estás por aí? Parece que afinal tinhas razão e a teoria da relatividade prova-se também na fotografia, todos os dias a cada disparo.

Daniel Rocha

Uma geração à procura de um retrato