A Europa não larga o futebol (III)

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Este texto é uma continuação destes: A Europa não larga o futebol (I) e A Europa não larga o futebol (II)

Finalizando.

O Advogado-Geral enfrenta, depois, a denominada responsabilidade solidária: "Embora, na perspectiva da FIFA, possa ser difícil discernir as razões que levaram à rescisão prematura do contrato do jogador profissional com o seu antigo clube, quando um jogador é recrutado por outro clube, creio que a responsabilização sistemática do novo clube vai além do que é necessário para prosseguir o objectivo legítimo, numa situação em que o novo clube não desempenhou nenhum papel na rescisão do contrato. A presunção constante do artigo 17. °, n.º 4, do RETJ [Regulamento do Estatuto e Transferência de Jogadores] de que o novo clube incitou o jogador a rescindir o contrato afigura‑se‑me excessiva, uma vez que não vejo como o novo clube poderá provar a sua 'inocência'. Embora se possa argumentar, como o fazem a FIFA e a Comissão, que é possível afastar a aplicação do artigo 17.°, n.º 2, do RETJ, tendo a CRL (Câmara de Resolução de Litígios da FIFA) o poder de restringir a aplicação do princípio da responsabilidade solidária, entendo que a concessão de tal poder discricionário à CRL não proporciona a necessária segurança jurídica aos jogadores e aos clubes, pois tudo depende da viabilidade e da celeridade de um procedimento, que se afigura difícil de apurar”.

Uma palavra ainda para as regras do CIT (Certificado Internacional de Transferência): "Aqui, o ponto 8.2, n.º 7, do anexo 3 do RETJ comporta o risco de recusa da emissão do CIT com base numa simples alegação de que o jogador não respeitou as cláusulas do seu contrato e de que o clube foi obrigado a rescindir o contrato devido ao alegado incumprimento pelo jogador das suas obrigações contratuais. Mais uma vez, poder‑se‑ia defender que o sistema proporciona a flexibilidade necessária, uma vez que, em caso de litígio entre o jogador e o seu antigo clube, a FIFA pode, a pedido do novo clube e em circunstâncias excepcionais, adoptar medidas provisórias. Contudo, também aqui estes elementos se afiguram demasiado ténues para que se possa concluir que são necessários para assegurar a estabilidade contratual.”

As conclusões finais do Advogado-Geral apontam para a violação do Direito Europeu, quando analisadas as normas FIFA. É o caso das normas que estabelecem que um jogador e um clube que o pretenda contratar são solidariamente responsáveis pela indemnização devida ao clube cujo contrato com o jogador foi rescindido sem justa causa e que a federação a que pertence o antigo clube de um jogador tem a possibilidade de se recusar a emitir o certificado internacional de transferência, necessário para a contratação do jogador por um novo clube, se existir um litígio entre o antigo clube e o jogador.

Isto caso seja feita prova de que, por um lado, essas decisões de associações de empresas são susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados‑Membros e, por outro, têm por objectivo ou efeito restringir a concorrência entre clubes de futebol profissional. A menos que, na segunda destas hipóteses, seja demonstrado, através de elementos de prova e argumentos convincentes, que se justificam pela prossecução de um ou mais objectivos legítimos e são estritamente necessários para esse fim. Por outro lado, está ainda em causa a violação da liberdade de circulação de trabalhadores.

A lei portuguesa vive, no plano interno, com a previsão de responsabilidade solidária. Com efeito, a Lei n.º 54/2017 de 14 de Julho (Regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação (revoga a Lei n.º 28/98, de 26 de Junho), dispõe no seu artigo 26.º, n.ºs 1 e 2: 1 — Se o praticante fizer cessar o contrato unilateralmente e sem justa causa, presume-se que a nova entidade empregadora desportiva interveio, directa ou indirectamente, na cessação. 2 — Se a presunção não for ilidida, a nova entidade empregadora desportiva responde solidariamente pelo pagamento da indemnização devida pela cessação do anterior contrato.

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