Startup Capital Summit: O «caos criativo» de Coimbra

Coimbra voltou a surpreender, reunindo cerca de 1.100 startups, sociedades de capital de risco, empresas e investigadores para debater temáticas como a IA, fomentar novas parcerias e pitches.

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Startup Capital Summit 2024 realizou-se no Convento de São Francisco, em Coimbra
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Maria Manuel Leitão Marques
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1-to-1: Uso Responsável da Inteligência Artificial
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Estiveram presentes mais de 1100 participantes no Startup Capital Summit
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Durante a tarde decorreram 12 Talks lideradas por founders e investidores CARLOS DIAS
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Foram apresentados Pitches de Startups e Pitches de Projectos de Investigação
Bluepharma
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Decorreram 12 Talks lideradas por founders e investidores
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Sunset Party
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,INSTITUTO PEDRO NUNES
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Coimbra voltou a afirmar-se como capital do empreendedorismo a 10 de Maio, data da edição do Startup Capital Summit 2024, organizado pela Universidade de Coimbra (UC), com o apoio do Município de Coimbra e do Instituto Pedro Nunes (IPN). A edição de este ano voltou a mostrar o porquê de em tão pouco tempo este se ter consolidado como o evento líder em Portugal para empreendedores. Estiveram reunidos em Coimbra cerca de 1.100 participantes, nacionais e internacionais, com um equilíbrio quase perfeito entre participantes do mundo académico, estudantes e investigadores (21%), startups e empreendedores (28%), empresas e investidores (33%), de outras entidades, como institutos, associações, incubadoras e municípios (18%).

Todos estes participantes confluíram em Coimbra neste dia para, primeiro, conhecerem a visão dos protagonistas dos principais temas na ordem do dia, como a inteligência artificial e o que existe à disposição em termos de apoio financeiro e de mentoria a projectos emergentes. O streaming da Conferência da manhã está disponível nos meios do evento e do Público, sendo que atingiu 15.200 visualizações. Já da parte da tarde, o dia foi repleto de mesas redondas, talks, pitches e reuniões 1-to-1, em português e inglês, num evento que terminou com a revelação da startup mais promissora de 2024, no Sunset Party.

Os desafios do Governo e as lições de Coimbra

O dia arrancou com um painel onde além dos principais rostos por detrás do sucesso da Startup Capital Summit, também o Governo, na pessoa do Secretário de Estado da Economia, João Rui Ferreira, mostrou a sua visão para o empreendedorismo e inovação “Made In” Portugal.

Segundo João Rui Ferreira, este Executivo “já entendeu quais são os grandes desafios que tem pela frente”, estando “totalmente alinhado com as principais linhas do Startup Capital Summit”, como a inovação, o empreendedorismo e a necessidade de continuar a reforçar “a dinâmica avassaladora da ambição” manifestada por Coimbra neste campo, uma dinâmica que deve ser puxada para o resto do país, defendeu.

Para o Secretário de Estado, “o empreendedorismo é mais do que criar negócios, é também a ousadia de enfrentar a incerteza e a perseverança de enfrentar obstáculos e de encontrar oportunidades nos desafios”, disse João Rui Ferreira, lembrando que as startups portuguesas são hoje responsáveis por mais de 25 mil empregos e mais de mil milhões de euros em exportações. Por essa razão, “podem contar com o Ministério da Economia como um parceiro, sempre de porta aberta para o diálogo e troca de ideias”, assegurou a todos os presentes.

Com o papel de Coimbra a ser realçado pelo Governo, Amílcar Falcão, Reitor da UC, aproveitou a sessão de abertura para “mostrar o caminho” que tem sido seguido na região: “As universidades, especialmente a de Coimbra, desempenham um papel crucial na promoção dessa cultura empreendedora”, apontou. Identificando o ensino, a investigação e a transferência de tecnologia como três pilares essenciais da abordagem da Universidade, Amílcar Falcão lembrou que a UC conta com 24 Unidades Curriculares focadas no empreendedorismo, acumulando à data de hoje mais de “90 spinoffs activas e 450 patentes activas”. O Reitor da UC também sublinhou que tudo isto é possível muito graças ao apoio do município de Coimbra: “Agradeço à Câmara Municipal esta parceria em relação ao que Coimbra deve fazer na área de inovação e empreendedorismo.”

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Sessão de abertura: João Rui Ferreira, Secretário de Estado da Economia

Aproveitando a deixa, José Manuel Silva, Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, começou por equiparar o trabalho autárquico ao de uma startup – “primeiro temos a ideia, depois construímos o projecto, candidatamo-nos a financiamentos e depois executamos” –, explicando de seguida o projecto em curso no município. “Aproveitar os recursos da cidade, como a Universidade ou o seu posicionamento geográfico, com excelentes infra-estruturas, para concentrar na cidade e região as oportunidades para os maiores talentos desenvolverem aqui os seus projectos”. E neste objectivo, disse, o Startup Capital Summit desempenha um papel muito importante: “Fazemos de Coimbra um grande laboratório de investigação, onde quem quiser pode inovar em conjunto com a autarquia, pois estamos verdadeiramente empenhados em trabalhar com todos, e a associação com a UC é essencial para nós”, reforçou.

Já João Gabriel Silva, Presidente do Instituto Pedro Nunes (IPN), incubadora da UC, começou por enaltecer o papel deste Summit enquanto espaço de liberdade para desenvolver ideias, uma das grandes vitórias da Revolução de Abril lembrou, ou não estivéssemos em plena celebração dos 50 anos do 25 de Abril. Defendeu depois que, no mundo das ideias, “não há países centrais ou laterais” e que, apesar de algumas desvantagens em Portugal, “nenhuma é intransponível”. E a resposta a essas desvantagens até pode ter como solução o empreendedorismo, defendeu. “O salário médio das empresas que saíram do IPN, que são mais de 450, é 2,7 vezes superior ao salário médio nacional.

Se um problema do país é a saída dos jovens à procura de melhores salários, então as startups são uma forma muito eficaz de o combater”, explicou. Outras questões, porém, já dependem de atores externos como o poder político. Aproveitando a presença do Secretário de Estado, o líder do IPN deixou ainda um recado ao governo, lembrando “a complexidade e o tempo que se demora a obter algumas autorizações”. Mas o IPN tinha também um pedido para os participantes do evento: que este dia seja de “caos criativo, com ideias a fervilhar por todo o lado”.

A regulação como defesa do caos criativo

Se o líder do IPN apontou a complexidade e o tempo para se obterem algumas autorizações como um entrave, Maria Manuel Leitão Marques, Eurodeputada portuguesa, e uma das responsáveis pelo passo histórico dado pelo Parlamento Europeu com a adopção da primeira Lei mundial para a inteligência artificial (IA), explicou, logo no painel seguinte, o outro lado dessa moeda – ou não fosse o uso responsável da IA o tema em foco. Afinal, inovação sim, sempre, mas não a qualquer preço ou sacrificando direitos fundamentais.

“Queremos um algoritmo a avaliar concessão de créditos, currículos de candidatos a um emprego ou a debitar diagnósticos de forma automatizada e com critérios não transparentes?”, questionou a eurodeputada. A IA já está em todo o lado da nossa vida colectiva e não podemos deixar que a corrida desenfreada por chegar primeiro à exploração das suas potencialidades arraste consigo o risco de deixarmos para trás direitos fundamentais, reforçou a eurodeputada. “O regulamento de IA que aprovámos é muito denso, é certo, mas visa equilibrar riscos e oportunidades e será mais pesado para usos de IA em contexto de risco elevado”, detalhou, apontando também que o regulamento incentiva toda a inovação assente em ambientes de testagem seguros.

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Painel de debate: Thriving Entrepreneurship Ecossystem - The Silicon Valley Case

Idênticas preocupações foram referidas por Paulo Dimas, do Center for Responsible AI. Estando a IA cada vez mais presente nas nossas vidas, somos diariamente surpreendidos pela sua expansão, explicou, e o caminho que se vislumbra é o da “híper personalização, onde a IA acabará por saber tudo sobre nós”. E aqui, apesar de todo o hype à volta da IA, é preciso não esquecer que “esta também é uma fonte de risco”, lembrando, por exemplo, a crescente capacidade da IA em produzir vídeos hiper-realistas onde se pode colocar qualquer pessoa a dizer qualquer coisa.

E a propósito dos riscos salientados por Maria Manuel Leitão Marques, Paulo Dimas lembrou a recente história do fundador da Apple, Steve Wozniak, e da sua mulher, que, apesar de partilharem todo o património em conjunto, viram serem-lhes atribuídos plafonds bastante diferentes por parte do algoritmo do Apple Card – que ofereceu um plafond 10 vezes superior ao homem.

As preocupações associadas à IA, porém, não se ficam por aqui, havendo também a questão da sustentabilidade, lembrou. “Sabiam que para criar uma imagem em IA se consome a mesma energia que se usa para carregar um telemóvel?”, detalhou, como exemplo Paulo Dimas. Um peso energético que, do ponto vista global, significa que “ao ritmo a que estamos hoje na IA, em 2030 estima-se que o consumo de energia decorrente do uso da IA generativa vai equivaler ao consumo de um país do tamanho da Argentina”, rematou.

O critério do capital público e o amor pelo risco do privado

No painel dedicado ao papel do capital de risco numa economia, António Dias Martins, da Startup Portugal, destacou a importância das políticas públicas na promoção do acesso a capital para startups e empreendedores. E para os inovadores presentes em Coimbra naquele dia, deixou um recado claro: “Temos uma rede de 138 incubadoras, aproveitem! São os braços operacionais das entidades públicas que apoiam o empreendedorismo, têm muito a ganhar em procurar esta rede.”

Já Ana Carvalho, do Banco Português de Fomento (BPF), apontou que o BPF investe e apoia através da gestão de fundos, sendo também um parceiro com muito know-how ao nível do acesso a financiamento, tendo uma equipa muito forte de parceiros para oferecer mentoria aos empreendedores. “Quem faz evoluir a economia são os empresários e empreendedores, nós ‘apenas’ aceleramos a economia, fazendo chegar-lhes os fundos que necessitam”, explicou.

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Painel de debate: Capital de risco como acelerador da Economia

Também presente neste painel esteve Miguel Alves, do Fundo Europeu de Investimento (FEI), que apresentou o FEI como o braço da União Europeia para o capital de risco, lembrando que, tanto o FEI como as outras entidades responsáveis pela alocação do dinheiro “que é de todos”, têm a obrigação moral de impor um crivo mais fino em todas as decisões de investimento. No fundo, se este dinheiro for mal alocado as perdas são de todos os contribuintes. “Podemos ser mais demorados por isso, pois estamos a gerir dinheiro de outras pessoas, dinheiro público. Além disso, também não devemos inundar o mercado com dinheiro público, temos de puxar pelo capital privado”, explicou Miguel Alves.

Já do lado da Portugal Ventures, Pedro Mello Breyner enfatizou o papel desta sociedade gestora de capital de risco que, uma vez por mês, realiza um open day onde qualquer empreendedor pode apresentar online a sua ideia. A Portugal Ventures tem hoje 16 fundos sob gestão e 158 startups no portfolio.

“O nosso contacto com o ecossistema assenta em quatro redes de parceiros: a rede de ignição, com universidades, incubadoras, etc.; depois os parceiros de capital, que estimulamos a investir connosco; a rede corporate com grandes empresas, de projecção internacional, disponíveis para provas de conceito ou apoio a participadas; e, por fim, uma rede de peritos que ajudam com o seu background e experiência empresarial”, explicou. Para uma startup, a Portugal Ventures “oferece-se” como a cola que mantém conectados estas quatro redes, detalhou.

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Conversa inspiradora: dois empreendedores, dois percursos de vida

Fazendo contraponto à experiência europeia, outro dos painéis do Startup Capital Summit dedicou-se a olhar para o sucesso do ecossistema de Silicon Valley, um painel que contou com Ajay Bhatia, da EY-Parthenon, Teresa Fernandes, da AICEP em São Francisco, e Alexandra Lawson, da J.P. Morgan Wealth Management. Neste ecossistema, explicaram os intervenientes, a mentalidade empreendedora é 100% favorável ao risco e à inovação, assentando numa base regulatória totalmente focada no estímulo à criatividade.

Comparativamente, apontaram, na Europa a mentalidade tende a ser mais cautelosa. Daí que quando se sai de uma realidade para a outra, é preciso mudar o mindset. A velocidade e a agilidade de São Francisco obrigam a uma postura diferente na hora de tentar procurar investidores: é essencial transmitir a mensagem de forma directa e rápida ao buscar financiamento, articulando bem os pitches e tendo presente que o mais importante num primeiro encontro em Silicon Valley é… garantir o segundo encontro.

A Conferência da manhã inclui ainda uma conversa inspiradora sobre percursos de vida de dois empreendedores: Rita Piçarra, ex-CFO da Microsoft Portugal, que se reformou aos 44 anos, após alcançar independência financeira, e André Baptista, Hacker Ético, Co-Fundador e CTO da Ethiack, que há 15 anos que luta por uma Internet mais segura, tendo ganho o título de "Most Valuable Hacker'' (H1-202 MVH).

Startup mais promissora? Várias, mas há que escolher uma

Terminadas as sessões da parte da manhã, o Startup Capital Summit abriu espaço para fomentar a ligação entre os quatro sectores em que se dividiam os participantes – academia, empreendedores, sector empresarial e sector financeiro - em 8 mesas redondas, 12 talks, 5 workshops e 18 pitches, de empreendedores e investigadores, onde cada um pôde criar a sua própria agenda e marcar as suas próprias reuniões 1-to-1 em sala específica para o efeito.

Nas várias salas do Convento, discutiu-se o papel dos Fundos de Investimento no Crescimento do Ecossistema de Empreendedorismo, o Ecossistema de Inovação e Empreendedorismo, a Internacionalização, o caminho para o sucesso com Silicon Valley como exemplo. Nas talks, entre muitos outros, os temas sustentabilidade, cibersegurança, espaço, computação quântica, oceano e propriedade intelectual, não ficaram de fora.

Numa abordagem mais prática, os participantes assistiram a workshops sobre internacionalização, estratégia de comunicação e redes de investigação e inovação em saúde, aprenderam como construir e desenvolver um produto e como transformar uma ideia numa startup de sucesso.

De todos estes contactos, não terão de sair necessariamente os próximos unicórnios, mas seguramente sairão alguns dos próximos bons exemplos do dinamismo e capacidade empreendedora que o país oferece quando consegue unir diferentes atores para o mesmo esforço comum.

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TIMEUP, a startup vencedora do Startup Pitch Competition 2024

A fechar mais uma edição do Startup Capital Summit, chegou a hora de conhecer a startup vencedora do Startup Pitch Competition deste ano. A honra em 2024 coube à TIMEUP, spinoff da Universidade de Coimbra, criada em 2023 por cinco investigadores de microbiologia e biomateriais, dos centros de investigação da UC e uma do Instituto Politécnico de Coimbra, que desde 2018 desenvolvem um dispositivo de diagnóstico capaz de monitorizar a urina de doentes por várias semanas, já tendo um protótipo funcional para detectar a bactéria responsável por mais de 80% das infecções urinárias.

Para todos os interessados, apontem nas agendas: a próxima edição do Startup Capital Summit será no dia 15 de Maio de 2026 (será mais uma fantástica sexta-feira)... Em Coimbra, claro!

(Re)veja aqui a Conferência da manhã: