Lebres mal identificadas ou fraude? O caso da meia-maratona de Pequim

Prova terminou de forma estranha, com três atletas africanos a abrandarem o ritmo e a convidarem o chinês He Jie a ganhar a corrida. Episódio está a ser investigado.

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He Jie "venceu" a meia-maratona de Pequim com um segundo de vantagem Reuters
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A meia-maratona de Pequim, na China, é uma das muitas provas de longa distância que vão decorrendo ao longo do ano no calendário do atletismo. Não tem especial estatuto nem projecção mediática. Mas a edição de 2024 acabou por saltar para as notícias pela desconfiança que gerou nos metros finais, quando um trio de atletas africanos abriu alas ao triunfo do chinês He Jie. Um episódio que levou a organização da corrida a instaurar um inquérito.

As imagens da recta final desta meia-maratona, que decorreu no domingo, foram amplamente divulgadas nas redes sociais. Nos últimos metros da prova de 21km, aproxima-se da meta um quarteto de atletas, composto pelos quenianos Robert Keter e Willy Mnangat, pelo etíope Dejene Hailu e pelo chinês He Jie. Os quatro vão lado a lado e qualquer um parece ter condições para ganhar a corrida, mas, antes da aceleração final, Mnangat faz um gesto a Jie como que a dizer-lhe para passar para a frente. E é o que acontece, depois de alguma insistência. Keter faz o mesmo, enquanto dá sinal para Hailu se deixar ficar para trás.

Com a “passadeira estendida”, Jie passa então para a frente do quarteto e termina em primeiro lugar, à frente dos três africanos, que não forçaram o ritmo para tentarem ganhar. O chinês cumpriu a distância em 1h03m44s, ficando com o prémio de 5500 dólares, enquanto os restantes três terminaram com mais um segundo que Jie.

No local, o jornal South China Morning Post questionou Mnangat sobre se tinha deliberadamente deixado Jie ganhar e a resposta do queniano foi tão surpreendente como contundente: “Sim”, atirou. “Ele vem ao Quénia, eu fui lebre dele na maratona de Wuxi, ele é meu amigo”.

Horas mais tarde, de acordo com o mesmo órgão de imprensa, Mnangat - que rejeitou ter recebido qualquer recompensa financeira - terá alterado o teor das declarações, alegando que actuou como lebre, mas a verdade é que usou o mesmo tipo de colete que He, sem indicação de que correra com o estrito objectivo de marcar o ritmo da prova.

“Não sei por que razão puseram o meu nome no dorsal em vez de colocarem a referência de lebre. A minha missão era marcar o ritmo e ajudá-lo a ganhar, mas infelizmente ele não alcançou o objectivo, que era bater o recorde nacional”, acrescentou Willy Mnangat, citado pela BBC Sport Africa.

"Estamos a investigar"

Seja qual for a explicação válida, não é suficiente para evitar a abertura de um inquérito, até porque têm vindo a acumular-se reacções de reprovação e de desconfiança em relação à prova. “Estamos a investigar e anunciaremos a conclusão ao público quando for conhecida”, resumiu um funcionário da cidade de Pequim responsável pelo sector do desporto, citado pela agência noticiosa AFP.

No mesmo sentido foi a reacção da Xstep, marca desportiva chinesa que patrocinou não só a corrida, como tem um contrato assinado com He Jie. “A situação ainda está a ser confirmada e verificada por múltiplas partes. Daremos mais informações assim que possível”, adiantou, citada pelo jornal estatal The Paper.

Num comunicado enviado à BBC, a World Athletics (federação intrenacional de atletismo) reconheceu que é necessário esclarecer o que aconteceu, mas reservou mais comentários para quando terminarem as investigações: “Sabemos que há imagens a circular da meia-maratona de Pequim e sabemos que está a decorrer uma investigação pelas autoridades locais. A integridade do nosso desporto é uma prioridade, mas, enquanto decorrer a investigação, não faremos comentários.”

He Jie, de 25 anos, é considerado um dos mais promissores fundistas asiáticos da actualidade. Ele é o recordista chinês da maratona, com um tempo de 2h06m57s, marca alcançada na maratona de Wuxi, em Março passado.

De resto, têm proliferado as provas de atletismo na China, especialmente na Primavera. Só no último fim-de-semana de Março, foram cerca de 40 as maratonas que tiveram lugar no país, ritmo que deverá manter-se em Abril. E para termos uma ideia da adesão que têm gerado, aqui fica um número: tanto a maratona de Wuxi (província de Jiangsu) como a de Wuban (província de Hubei) registaram mais de 260 mil inscrições.

Notícia actualizada às 20h36

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