Um derby é sempre uma incógnita

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O convite cai-me sobre a mesa, estou a sair de uma gripe e a sorrir: cura prometida pelo desafio que me oporá à minha colega Rita?

No princípio era assim.

Eu, puto de 5/6 anos, a fazer companhia ao meu pai – era jogo grande na Luz. Descíamos a pé a avenida Cristo Rei e o meu pai apanhava amigos em algumas portas; juntavam-se e engrossava o pelotão. Quando algum estava atrasado, dois toques no estore e o sinal estava dado – havia uma camioneta para nos levar aos cacilheiros.

O grupo, feito de "águias" e "lagartos" (ainda não havia ‘lampiões’ e os nossos eram os ‘encarnados’ por estética censora do regime) saía no pontão do Terreiro do Paço e acelerava o passo até ao Rossio, onde tomávamos o Metro até ao Jardim Zoológico. Por essa altura, na bancada dos sócios, as hostes separadas, o que eu queria era beber Sumol e comer um gelado, podia também ser rebuçados ‘tócimel’. Mas também podia ser batatas fritas.

Depois.

Em 1999, quando o meu clube andava aos solavancos, perdedor e perdido, desavindo até, cheguei-me à frente, entrei em estúdio e gravei o tema Sou Benfica, que os adeptos transformariam em hino, a última prenda que dei ao meu pai antes de o ver partir para a grande planície.

Que sou eu? Um grande benfiquista, como oiço nas ruas do país? Sê-lo-ei, à minha maneira, ou seja, o futebol não é a minha vida, nem o meu amor, estou atento, gosto de um jogo de rasgo, vontade e arte, gosto de golos, como gosto de grandes e impossíveis defesas; gosto do bailado que senta o adversário na relva; não gosto da coreografia dos que caem porque não conseguiam ir mais longe. Não gosto do universo à volta da bola, a começar pelos dirigentes que incendeiam os ânimos para desviar a atenção dos crédulos. É tanto assim em Portugal que cansa, mas há quem aceite, como telenovela justificativa. O que nos falha é da responsabilidade do homem com apito e VAR à distância.

Hoje.

Em Alvalade, espero que os da minha camisola ganhem, armados com a subtileza da arte que torna putos anónimos em cromos da bola, nos fazem sorrir, gritar e até chorar. Que haja arte, que a bola seja uma busca sem fim, que no estádio se grite por golo e que esse grito seja dos meus.

Agora.

Mas um derby é sempre uma incógnita, o que, traduzido em futebolês, significa que pode a melhor equipa perder para o adversário. Pode, mas logo se vê. O Sporting está melhor, é uma equipa humilde no esforço; vai à frente. Será suficiente para parar a mancha de internacionais que o Benfica agrega? Logo se vê. Eu vou ver.

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