Para quando um “passe social” da Cultura?

O princípio geral deveria ser sempre o de procurar a melhor maneira de promover a frequência de cada museu por todos os seus potenciais utilizadores.

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As notícias do grande afluxo de portugueses aos monumentos geridos pela Parques de Sintra no domingo em que começaram a ser gratuitos para residentes em Portugal, acrescidas da ocasião política por que passamos, em que se esperam novas políticas governativas, fazem-me regressar ao tema da bilhética em museus e outros equipamentos culturais.

Trata-se de questão complexa, tão complexa como a diversidade dos museus e desde logo a importante diferença para este tema entre públicos (suportados em orçamentos públicos) ou privados (suportados em orçamentos dos proprietários ou dependentes apenas da sua capacidade de gerar receita).

Não existe uma orientação única. Mas o princípio geral deveria ser sempre o de procurar a melhor maneira de promover a frequência de cada museu por todos os seus potenciais utilizadores: investigadores, estudantes, simples curiosos... e os vários segmentos de visitantes, claro. Entre estes, toda a prioridade deveria ser dada aos grupos que verdadeiramente constituem a razão de ser dos museus – e estes são, na maior parte dos casos, os adultos nacionais.

Daqui decorrem políticas de bilhética necessariamente diferenciadas, sendo defensável que haja preços mais baixos para residentes no país onde o museu se situe e preços mais elevados para estrangeiros. Mas esta discriminação deve ser muito bem ponderada para não constituir nacionalismo ou, pior, chauvinismo completamente inaceitáveis. Assim, os preços reduzidos para residentes no país (não unicamente nacionais, entenda-se) serão tanto mais justificáveis quanto maiores forem as diferenças do poder de compra em relação aos forasteiros e quanto mais o museu dependa apenas da sua receita para sobreviver.

Em museus públicos (ou de parceria público-privada ou fundacionais públicos, etc.), a promoção da visita por nacionais pode e deve ser levada muito mais longe: deve incluir períodos amplos de preços muito reduzidos ou até gratuitidade total para o leque mais alargado possível de segmentos de visitantes. Idealmente, deveria mesmo existir uma política de Cultura que incentivasse a visita/participação/assistência às diferentes ofertas culturais: museus, teatros, cinematecas, etc.

Afirmarão uns (gestores capitalistas de museus ou, o mais comum, de “coisas” que se dizem museus por benefício de imagem de marca, mas na realidade constituem investimentos comerciais apenas) que tudo tem um custo, tudo se paga: e paga tanto mais quanto melhor for o serviço ou maior for a apetência social. Preços reduzidos? Gratuitidades? Um absurdo, dirão: “Se há dinheiro para ir ao futebol, porque não haverá para ir aos museus e aos teatros? É só uma questão de saber fornecer o produto de que o povo gosta.”

Curiosamente, outros, ditos “activistas” sociais, dirão igualmente que os preços de entrada nos museus constituem uma questão menor, talvez até uma falsa questão: o importante é os museus serem “relevantes”. Alguns poderão mesmo acrescentar que a redução dos preços e as gratuitidades não farão mais do que trazer ao museus “mais dos mesmos” – e citarão os estudos que mais lhes convenham, no Reno Unido, por exemplo, onde este efeito foi inicialmente sugerido para depois ser negado em toda a linha: aí, onde temos mais dados e séries mais longas de observação, verificou-se claramente ao fim de uma década (hoje já décadas) de observação que a prática de gratuitidades amplas em museus nacionais (ingleses, escoceses ou galeses) não somente permitiu aumentar muitíssimo o número de visitantes como logrou alcançar faixas da população antes ausentes dos museus. O preço dos bilhetes conta – e conta muito, como por estes dias se vê nos monumentos de Sintra e antes se viu em tantos outros. Quem não pensa assim apenas tem para contrapor “menos dos mesmos” – e percebe-se que se sinta bem com isso, porque geralmente se trata de pessoas que realmente não sabem o que é viver com uma pensão ou salários médios em Portugal (já nem falo em mínimos…). Vivem dentro de bolhas de “fazer dinheiro” ou de “má consciência bem-pensante” e assim se sentem bem. Perdão, assim se sentem “confortáveis” e precisam de museus para se "desconfortarem".

Em tempos propus a criação de um “passe social” para a Cultura, obtido em repartições de finanças, lojas de cidadão ou câmaras municipais, pelo qual os residentes no nosso país pudessem beneficiar de preços especiais (no limite, de gratuitidades, conforme os seus rendimentos, declarados em sede de IRS) em locais públicos e nos privados aderentes.

Nenhum partido pegou na ideia até hoje; apenas o PS deu alguns passos nesse sentido, porém limitados, inconsequentes e de resto rapidamente caídos no esquecimento.

Mas continuo a acreditar nesta medida. Ela junta princípios a acção prática de forma que considero virtuosa. Veremos se um dia alguém a considera.

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