Rádio Miúdos: uma rádio única no mundo em risco de se silenciar

Na Rádio Miúdos pensamos o “dar voz aos miúdos” de uma forma séria e holística. Um cidadão não nasce aos 18 anos, quando é chamado a votar.

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Há oito anos que a Rádio Miúdos emite online. Mais de 120 crianças passaram pelos microfones daquela que é muito mais do que uma rádio e que chega aos mais novos da diáspora. Sem ajuda, terão de se calar.

Uma metodologia única também para fazer rádio nas suas escolas, onde dá voz a milhares dos sete aos 17 anos de idade. É a primeira rádio para crianças em português para miúdos.

A Rádio Miúdos foi premiada em 2015 pela Fundação Calouste Gulbenkian e Cosec no concurso Faz Iop 2015.

Desde 2017, a Portugal Inovação Social tem sido parceiro importante. Entidade essencial para financiar projetos que respondem a problemas sociais, mas também pioneira e que, talvez por isso, não prepara os inovadores sociais para os mecanismos da contratação pública. Por isso, esbarramos na insustentabilidade burocrática dos mecanismos, mesmo justificando tudo ao cêntimo e com documentos.

É duro ser um projeto que nasceu em Portugal, imaginado por portugueses, sancionado internacionalmente com nomeações e prémios e estarmos “aflitos” e termos de recorrer a uma campanha de donativos. (radiomiudos.pt)

Num tempo em que a opressão da imagem nas redes sociais contribui diariamente para uma certa entropia social, há uma utilidade ímpar na radiodifusão — ao “limpar” o corpo do mensageiro, permite a liberdade pura da mensagem e o ouvinte encontra apenas a voz. Sem mais “ruídos”.

É esse anonimato que nos é precioso com os miúdos. E nem a inteligência artificial parece arrumar a radiodifusão na gaveta dos media em vias de extinção. Não está. E vive.

Como diz o Artur, 13 anos: “Quando falo na rádio, ninguém sabe se sou gordo ou magro, branco ou preto, se tenho borbulhas ou óculos… É só a minha voz que está. Só existo através da minha voz…”

É esta magia de estar lá, só com a voz, que “a primeira rádio em português para miúdos” espalha, desde 20 de novembro de 2015.

Evidências destas permitem aos mais de 120 miúdos locutores da Rádio Miúdos ultrapassar as dificuldades de julgamento a priori na comunicação interpessoal, quando o corpo está presente.

É uma rádio online única em Portugal e no mundo, onde miúdos dão voz às suas ideias, gostos e desgostos, com uma única regra — o respeito total pelos outros seres humanos.

Um dos slogans é exatamente “aqui temos voz, aqui somos nós”. Temas como a “seca das aulas”, a saúde mental, a eutanásia ou os beyblades e roblox são todos os dias abordados sem qualquer interferência dos adultos que com eles trabalham todos os dias. Apenas são orientados nas técnicas específicas da comunicação oral e nos ângulos de abordagem jornalística.

Na Rádio Miúdos pensamos o “dar voz aos miúdos” de uma forma séria e holística. Um cidadão não nasce aos 18 anos, quando é chamado a votar. Se continuarmos assim, como sabemos, as democracias estão condenadas. Trabalhamos as soft skills, as open skills, o pensamento crítico, a literacia digital, o fact-checking e, de uma forma mais alargada, formar cidadãos mais ativos no futuro. Cidadãos que possam decidir não ser soldados, por exemplo, que possam decidir com mais acuidade quem possa governá-los.

Processo lento e sem visibilidade imediata — trabalhamos o futuro — logo sem evidências imediatas, mas com uma carteira de serviços vendidos a municípios, escolas e empresas. E até à pandemia, corria bem. Havia projetos paralelos para mantermos a sustentabilidade (ativámos, por exemplo a Rádio da JF Belém), mas que, após isso, tem sido apenas o enorme retorno humano que nos mantém a trabalhar.

O prémio da Gulbenkian em 2015 possibilitou o início das emissões. Largámos tudo para nos dedicar à Rádio Miúdos.

E oito anos depois somos uma rádio a sério. Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Sociedade Portuguesa de Autores, fazemos tudo como as grandes. Mas esta é dos miúdos. Para miúdos. E justificamos tudo o que gastamos, porque temos muito respeito pelo dinheiro dos contribuintes. Mas, se por um lado, temos um organismo pioneiro que financia a economia social, por outro somos escrutinados como uma qualquer empresa grande. E por isso 90% das pessoas que trabalham na inovação social afogam-se na selva escura dos fundos da Portugal 2030 e outros, para responder a esclarecimentos de faturas e a justificar por que razão a compra de um equipamento de estúdio para uma rádio-escola não foi publicada no siteBase, ponto gov”, por exemplo.

Os modelos de financiamento da economia social existem, mas os reembolsos do que é gasto são cortados por asfixia burocrática.

A Rádio Miúdos é gerida por uma associação sem fins lucrativos e justifica estes dinheiros públicos com faturas até ao cêntimo. E sabemos como fazê-lo, mas é tudo tão novo e “pioneiro” que poucas são as empresas que apostam nos patrocínios, na publicidade e nos vários serviços que proporcionamos na área da educação, da literacia tecnológica, digital e até financeira, com programas implementados nas escolas e em várias instituições. Para garantir essa sustentabilidade, as nossas ideias não se limitam aos miúdos, mas também à população em geral.

Temos parceiros fortes, mas não chega. Há um calvário de situações que faz com que os portugueses que trabalham na área da inovação social ou economia social acabem por desistir, no dilema de trabalhar numa área onde o retorno humano é bem mais importante do que o conforto do ser bem pago.

E assim chegamos a estas eleições, a ouvir falar de atraso na utilização das verbas do PRR e perguntamos — há dinheiro para financiar um projeto nascido em Portugal e ainda único no mundo? Tivemos de abandonar os nossos colaboradores e a nuvem negra de não haver sequer fundo de maneio para pagar a renda dos estúdios. Graças aos cortes nos reembolsos, as previsões de sobrevivência estão a zeros.

É duro ser pioneiro. É duro ter uma rádio única com um corpo de trabalho que pode ser conferido em radiomiudos.pt. É duro termos a prova de que a metodologia funciona. É duro saber que estamos a contribuir com uma ferramenta alternativa útil para o futuro do processo educativo.

É uma rádio. Infelizmente, única no mundo, na sua tipologia. E, repetimos, é duro termos de vir a público, oito anos depois, inventar uma campanha de donativos.

Pelo futuro dos nossos filhos, desistir não faz parte do nosso léxico. É o que estamos sempre a repetir aos miúdos.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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