A democracia não precisa necessariamente de jornalismo. A democracia precisa de informação livre e de qualidade (o que inclui aquela que resulta do escrutínio de poderes); e precisa que essa informação esteja ao dispor de todos os cidadãos. 

Acontece que o jornalismo é a única forma que conhecemos para produzir e disseminar informação livre e de qualidade.

Acontece também que o jornalismo é um negócio, que se deteriorou ao longo deste século. E, no que diz respeito ao estado a que o negócio chegou, a tecnologia tem tido costas largas: as grandes tecnológicas ficaram com a fatia maior do bolo publicitário; as redes sociais agarram a atenção e o tempo de jovens, adultos e idosos; a abundância de informação inundou o mercado e fez, durante anos, o preço final do jornalismo aproximar-se de zero; as tecnologias de informação permitiram a desintermediarização, estreitando o papel daqueles que são, por definição, media.

 
           
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Entre 13 e 14 de Março, Lisboa vai receber a Conferência Procura+, que juntará especialistas que mostrarão como as compras públicas podem estar ao serviço da transformação da sociedade.

         
           
 

O mundo aconteceu-nos e, por isso, chegámos onde estamos – tende a ser este o argumento no sector. Mas não foi bem assim que se passou.

Nem a culpa é das tecnologias e das empresas tecnológicas, nem a história tinha de ser esta.

Hoje, parece absurdo pensar em jornais a competir com devoradores de dados como a Google e a Meta, que têm audiências gigantescas e mostram avalanches de anúncios direccionados. Mas, em 1998, não havia nada de absurdo nesta ideia. O primeiro anúncio online surgiu numa publicação jornalística, não num motor de busca. O New York Times era então uma empresa muito maior e com mais recursos que a Google. Aliás: o PÚBLICO era então uma empresa maior e com mais recursos que a Google.

Hoje, ninguém acredita que os jornais consigam competir com plataformas de anúncios classificados. Mas, por volta do ano 2000, a ideia não era um disparate. Bastava aos jornais terem feito a aposta com convicção, sem se refrearem por medo de canibalizarem as receitas dos classificados nas edições em papel. 

Hoje, é esdrúxula a ideia de empresas de media serem donas de redes sociais. Mas, na primeira década deste século, quando os sites de notícias começaram a ter sistemas de comentários; quando as redes sociais eram incipientes; e quando a imprensa até abraçou os blogues (que foram, por comparação, um período dourado de discussão pública online) – nessa altura, os media podiam ter pelo menos tentado estabelecer-se como qualquer coisa próxima de uma ágora digital. Teria sido benéfico para todos, incluindo para o seu próprio negócio.

De todas as novidades tecnológicas dos últimos anos, talvez a única com que os media se entusiasmaram genuinamente, sem terem sido para lá empurrados, foram os tablets. Nasceram jornais e revistas só para o iPad. No PÚBLICO, chegámos a ter uma versão do suplemento Ípsilon concebida só para o tablet da Apple. 

A explicação para aquele entusiasmo é simples e esclarecedora. 

O ecrã grande dos tablets dava esperança de que se pudesse replicar aquilo que se fazia em papel. Afinal, pensou-se, era possível manter mais ou menos as mesmas rotinas, mais ou menos o mesmo produto, mais ou menos o mesmo modelo de negócio, e ter sucesso junto dos consumidores cada vez mais digitais.

Ter sucesso sem mudar muito é o sonho de qualquer sector ao qual o tapete esteja a fugir debaixo dos pés. Mas a realidade era a de uma revolução em curso, não a de uma transição plácida. 

O resto está mais fresco na memória. 

As redes sociais tornaram-se uma quase infra-estrutura de comunicação online, caindo-lhes no colo uma responsabilidade que, legitimamente, nunca quiseram. Gerou-se um vazio: nem as redes sociais servem de crivo no mundo digital, nem a imprensa tem meios para assumir esse papel.

Os custos de comunicação em massa são agora tão baixos que o jornalismo perde para influencers e afins; a desinformação grassa, para gáudio dos muitos que disso beneficiam. A inteligência artificial generativa está a agravar o problema, a um ritmo que será maior do que nas inovações tecnológicas anteriores.

Os negócios dos media estão hoje mais fracos, salvo raras excepções. Salvo raras excepções, as novas empresas de jornalismo – os nativos digitais dos media –, que chegaram a ser vistas como a luz ao fundo do túnel, fracassaram. Isto aconteceu até nos EUA, o mercado mais apto para estes projectos.

Nem tudo correu mal a todos. Alguns media perceberam que aquilo que tinham de vender era confiança e não conteúdos. No ecossistema digital, só um destes dois é um bem escasso. Também perceberam outras coisas, mas são questões mais finas de estratégia, que não interessam para esta newsletter.

O mundo digital em que hoje todos nos informamos e desinformamos não é novo. Dependendo de como se fizerem as contas, é plausível dizer que tem um quarto de século. É muito tempo para que não tenha sido dada a volta. As oportunidades já não regressam. Este é um capítulo fechado. É preciso um novo.

Em newsletters aqui ao lado, a Bárbara Reis já abordou a questão das políticas públicas, incluindo daquelas que estão no programa de muitos partidos em Portugal. Entre elas, a ideia de entregar dinheiro que os cidadãos possam gastar no jornalismo que entenderem. É um formato de atribuição de fundos públicos em que a distribuição não está dependente do poder político, que obriga os media a serem concorrenciais e que tem o efeito colateral de aumentar as audiências e, portanto, as receitas publicitárias.

Em termos mais alargados, esta é uma reflexão urgente. O negócio da imprensa é demasiado pequeno para a responsabilidade que esta tem no mundo de pós-verdade que é o da informação digital. 

Noutras áreas, a questão poderia ser recebida com um natural encolher de ombros. Mas, neste caso, as leis de mercado, que ditam quais as empresas que prosperam, as que vão sobrevivendo e as que morrem, servem de pouco consolo. As dinâmicas de concorrência pelo dinheiro e atenção de anunciantes e de consumidores produziram um enorme dano colateral. Os negócios privados de jornalismo são um problema público. 

Permito-me uma variante da velha frase: o jornalismo é a pior forma de produzir informação para as democracias à excepção de todas as outras. E, nos tempos recentes, não nos faltam outras com as quais comparar o jornalismo. Os resultados estão à vista.