Invistam nas mulheres, ganharemos todos

Com um planeamento financeiro sensível ao género será possível criar orçamentos que funcionem para todas as pessoas, buscando uma distribuição justa de recursos.

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Há 30 anos a comunidade internacional tomou uma decisão histórica. Durante a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, o empoderamento das mulheres foi reconhecido, pela primeira vez, como um pilar fundamental para a paz e a prosperidade, condição sine qua non para a construção e a consolidação de sociedades onde mulheres e meninas têm voz, escolhas e oportunidades.

São inegáveis os inúmeros avanços ao longo destas três décadas no que diz respeito aos direitos desta metade da população e que resultam do ativismo e da ação concertada para desmantelar sistemas, normas e valores patriarcais que as impedem de tomar decisões sobre as suas vidas e os seus corpos, tal como de se proteger da violência e de práticas tradicionais nefastas, como por exemplo, de casamentos forçados ou da mutilação genital feminina.

Hoje, mais mulheres e meninas do que nunca têm o poder de decidir; uma evolução que resultou num enorme conjunto de benefícios para as pessoas, as comunidades e a sociedade em geral. No entanto, é necessário ir mais longe. Muito mais. É necessário “Investir nas Mulheres, Acelerar o Progresso”, o tema escolhido pelas Nações Unidas para este Dia Internacional da Mulher de 2024.

Em 1984, a Austrália foi o primeiro país a introduzir no seu Orçamento do Estado uma rubrica dedicada exclusivamente à igualdade de género. Uma inovação seguida por muitos países, sendo que em Portugal a orçamentação com impacto de género foi introduzida pela primeira vez na Lei do Orçamento do Estado para 2018.

Globalmente, segundo as Nações Unidas, existe hoje um alarmante défice de financiamento de medidas de apoio à igualdade de género: cerca de 360 mil milhões de dólares por ano. Mas há mais: ainda de acordo com a ONU, apenas 5% dos apoios estatais se focam em combater a violência contra mulheres e as meninas e, pasme-se, menos de 0,2% são direcionados para a prevenção.

Neste contexto, o sistema das Nações Unidas tem vindo a alertar para a urgência de se orçamentar tendo em consideração as persistentes desigualdades de género. Com um planeamento financeiro sensível ao género será possível criar orçamentos que funcionam para todas as pessoas, ao considerar e analisar as necessidades únicas e diversas de cada pessoa, buscando uma distribuição justa de recursos.

Os atuais modelos económicos e orçamentais podem levar a políticas fiscais e a orçamentos enviesados e ao não considerarem as necessidades das mulheres, estes orçamentos podem ter consequências negativas não intencionais. Por exemplo, de acordo com estudos recentes, o valor global da prestação de cuidados não remunerados e de trabalho doméstico das mulheres com mais de 15 anos de idade é de cerca de 10,8 mil milhões de dólares anuais, isto é, três vezes a dimensão da indústria tecnológica mundial.

Ao destacarmos estas disparidades de género, os governos poderão direcionar os recursos disponíveis para as combater e apoiar o desenvolvimento sustentável e inclusivo, promovendo um sentido de justiça, fortalecendo a responsabilização do governo e apoiando um melhor alinhamento dos orçamentos nacionais com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Sem uma aposta clara no financiamento, o empoderamento e a autonomia continuaram a ser uma miragem para muitas mulheres, sobretudo para aquelas que vivem em contexto de crise e afastadas do progresso. Nós, no Fundo das Nações Unidas para a População estimamos que sejam necessários 222 mil milhões de dólares de investimento para alcançar o que chamamos os três zeros até 2030: zero mortes maternas evitáveis, zero necessidades não satisfeitas de planeamento familiar e zero violência baseada no género.

As formas de discriminação, persistentes, de mulheres e meninas portadoras de deficiências, de minorias étnicas e raciais ou da comunidade LGBTQIA+ continuam a impedir milhões de gozar em pleno os seus direitos e saúde sexual e reprodutiva. As mulheres que vivem em contexto de conflito enfrentam desafios desproporcionais à realização do seu direito humano a um planeamento familiar adequado, estando sujeitas a violência baseada no género, expostas a casamentos forçados e/ou precoces e com riscos acrescidos de morrer durante a gravidez ou a dar à luz. Acresce o facto de o progresso registado na prevenção da mortalidade materna ter estagnado, evidenciando a falta de investimento e de políticas globais que poderão salvar milhões de vidas.

O investimento é, por isso, fundamental e transformador. Um maior investimento na eliminação do casamento infantil ou da mutilação genital feminina não só evitaria o sofrimento e a violação dos direitos de milhões de meninas como iria baixar os custos que os sistemas de saúde têm para tratar as consequências que daí advêm. As meninas que não são sujeitas a casamentos infantis, por exemplo, têm uma probabilidade muito maior de concluir os seus estudos, de entrar no mercado de trabalho e de evitar gravidezes precoces, o que se traduz em milhares de milhões de dólares em benefícios económicos para a sociedade.

Exemplos não nos faltam, tal como não pode faltar vontade política. Quando o potencial das mulheres é desbloqueado, todas as pessoas ganham.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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