São todos iguais

A sociedade foi vendo instalar-se uma descrença geral, que poderia ser de saudável escrutínio, mas foi apenas uma cada vez maior desconfiança em relação à política e a políticos.

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A sala de espera do hospital estava cheia. A viagem até lá demorara uma eternidade e agora somava-se outra. Não quero que fales com ela quando eu não estou, disse a São à filha. A Ana ia perguntar o motivo, mas arrependeu-se, ficando em silêncio. Não falas com ela quando eu não estiver, ouviste? A Ana fez que sim com a cabeça, mas sem intenção de obedecer, aliás, a desobediência haveria de ser a sua forma de ser e crescer, o que de certa forma representava um nova maneira de estar relativamente generalizada, já não se aceitava a imposição da brandura como nas décadas anteriores, a liberdade de dizer não andava pelas ruas, assim como dentro dos lares, com passo frágil, é certo, mas presente em acto ou potência. O médico disse para a Ana abrir a boca, a Ana abriu-a, depois foi a vez do contacto frio do estetoscópio no peito e nas costas, respirar fundo, encher o peito, vazar o peito, culminando aquela consulta numa receita de antibiótico e xarope para a tosse, que a São não comprou porque acreditava mais nos benefícios das rodelas de cenoura com açúcar. Depois foi a ida à farmácia e por fim o regresso a casa onde a Ana ficaria em convalescença durante quatro dias a comer canja, torradas e postas de pescada cozidas com feijão-verde. Voltou à escola com alguma alegria, pelo menos nos primeiros dias, voltou a ver o estranho que já não sentia ser um estranho e com quem conversava com regularidade. Não falava disso a ninguém, nem sequer com a Alexandra quando esta lhe telefonava (as duas continuavam a conversar uma com a outra, aproveitando o facto de a São regressar mais tarde do trabalho do que a Ana da escola).

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