Cartas ao director

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A "carnavalização" de Portugal

Nestes dias que antecedem o Entrudo, quando o zé-povinho prepara a máscara com que quer reinar na rua, agudiza‑se a consciência de que a “carnavalização” do real parece ser uma constante da paisagem mediática do nosso tempo. Disso mesmo são exemplo os especialistas que assumem a pele de “tudólogos” — e os discípulos da “tudologia” que se julgam senhores de todas as especialidades. Há também comentadores que se tornam presidentes, havendo ainda quem seja presidente sem largar a casaca de comentador.

A tudo isto acresce, entretanto, a fauna característica da “futebolândia”: ex‑jogadores que falam com os pés — e faladores que jogam com as mãos de quem lhes segura o microfone. Não podemos esquecer, no entanto, os “treinadores de bancada” que pululam nas redes sociais, cujo “futebol falado” não fica atrás do da bancada de treinadores que estão nas prateleiras (perdão!, câmaras) das estações de televisão. Num ritmo imparável, aliás, qual corso carnavalesco, sucedem‑se as figuras e os figurões, e o pequeno ecrã assemelha‑se cada vez mais a um ringue de boxe amador. Mas ninguém leva a mal… Não é Carnaval? Neste inteiro Portugal, sempre!

Eurico de Carvalho, Vila do Conde

A arte de engolir sapos

Já vi muita gente a engolir sapos. Uns gesticulam como marionetas e fazem estranhas caretas, outros vão largando impropérios incompreensíveis (pois quem consegue dizer algo que faça sentido com um sapo enfiado na boca?), outros ainda ficam hirtos como estátuas de mármore e vão metendo a coisa para dentro com ar de quem está aflito. <_o3a_p>

A arte de engolir sapos não está ao alcance de qualquer um. Para engolir um sapo e manter uma pose elegante, é preciso estar-se bem seguro de si. É preciso saber que o sapo será digerido e, fazendo fé absoluta na lei de Lavoisier, transformar-se-á numa outra coisa. A arte de engolir sapos implica ir pensando no futuro enquanto se digere o bicho. E, mais tarde, o futuro chega e o sapo é já uma outra coisa.

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Rui Silvares, Cova da Piedade

São Bento e Fátima

Nestas últimas semanas, o palácio de São Bento assemelha-se muito ao santuário de Fátima. Grandes grupos de peregrinos pedem, e exigem mesmo, ao locatário do palácio o extraordinário milagre de engordar os seus salários, assim como Cristo multiplicou o pão e o vinho.

Se aceita as exigências, é criticado por estar em gestão e deixar uma herança pesada no erário, e se não aceita, é criticado por não resolver a instabilidade socioeconómica que se agravou com a marcação de eleições antecipadas.

Nossa Senhora de Fátima, de vez em quando e se estiver para aí virada, ainda faz um milagrezito para dar trabalho ao dicastério da causa dos santos no Vaticano. O locatário, por muito artista que seja, e eu acredito que é, nem isso!

Helder Pancadas, Sobreda

A (in)utilidade dos debates televisivos

A caminho de 10 de Março, muitos eleitores interrogar-se-ão sobre o grau de utilidade e de eficácia dos debates políticos patentes diariamente nas televisões. O formato temporal muito curto penaliza inequivocamente um esclarecimento cabal do eleitorado, sobretudo o do grupo considerável de indecisos (ainda cerca de 20%), e dificulta a tarefa dos moderadores na alternância equitativa dos temas a debater.

Se a isto adicionarmos o facto de alguns debates mais parecerem duelos de sicários saídos de velhas fitas de western e de outros se assemelharem a cenas de pugilato em que os líderes políticos trocam violentas acusações em vez de responderem concisamente às questões, então, a sua vacuidade e falta de proficiência saltam logo à vista. Muito provavelmente, alguns eleitores preferirão assistir a calmas entrevistas individuais aos líderes políticos, com maior duração. E não tenhamos ilusões: a esmagadora maioria do eleitorado que neste momento já possui um claro sentido de voto muito dificilmente o alterará após a conclusão destes debates.

Estêvão Emanuel Fernandes, Mirandela

Gaza e o silêncio do Ocidente

Há uns largos anos visitei o campo de extermínio de Auschiwtz-Birkenau. Apesar da informação que possuía a respeito dos horrores ali ocorridos, não consegui evitar um choque emocional ao entrar no horrendo crematório. Mas isso não foi tudo. Um outro choque sentiria ao sair, quando o guia nos disse que numa povoação situada nas proximidades do campo toda a população parecia desconhecer o que ali se havia passado. Um silêncio protector!

Pois bem. Todos sabemos – ou não? – o que se passa em Gaza: um povo a ser dizimado, um povo acantonado à espera de ser bombardeado, a morrer de fome, de sede e de doenças várias. E também, ou sobretudo, por causa do nosso silêncio, do silêncio dos países que mais propagam a defesa dos direitos humanos! Não se pode fazer mesmo nada?

Luís Pardal, Lisboa

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