O Chelsea foi assistir à aula do “professor” Matheus

O brasileiro Matheus Cunha era tão bom aluno na escola que lhe pediam que desse explicações aos seus colegas. Agora, dá “aulas” aos defesas do Chelsea. Mas não se esperava que assim fosse.

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Matheus Cunha celebra frente ao Chelsea Reuters/DAVID KLEIN
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Quando um clube de futebol paga 50 milhões de euros por um jogador, espera-se que haja impacto – imediato, de preferência, mas, se assim não for, que seja pelo menos a curto prazo. Tudo o que fugir disso adensa uma nuvem negra em torno do jogador. Vale isto tudo? Vai valer? Existe margem de evolução? Ele alguma vez deu indicações de poder vir a valer isto tudo?

Matheus Cunha vinha a responder a todas estas questões com um gigantesco “não”. Não valia, não iria valer, não parecia existir grande margem de evolução e não tinha dado indicações de valer tanto. Não, não, não e não. Neste domingo, houve um “sim”. Matheus Cunha tentou colocar a cabeça fora desse “nevoeiro”, com três golos decisivos na vitória (4-2) do Wolverhampton frente ao Chelsea.

Mauricio Pochettino acabou a tarde a pedir desculpa aos adeptos e o principal culpado é um brasileiro que, aos 24 anos, ainda não tinha tido um dia destes. Sim, já tinha feito um hat-trick pelo Sion, há alguns anos, mas três golos num futebol de topo, com peso num triunfo frente a um “tubarão” europeu, não era coisa de Matheus.

Segundo contou ao Globoesporte, o brasileiro era tão bom aluno na escola que os professores lhe pediam que desse explicações aos seus colegas: “Venho de uma família de professores e sempre tive facilidade para estudar. Pediam-me para eu ajudar os meninos mais novos que tinham dificuldade. Nunca fui o professor do ano, mas tirava umas dúvidas”. Neste domingo, os alunos foram Thiago Silva, Disasi, Gusto e Chilwell – maus alunos.

Finaliza mal

As redes sociais ou os comentários em páginas de desporto ou jornais não são necessariamente um bom barómetro da popularidade de quem quer que seja. Mas quando se fala de Matheus Cunha em fóruns de futebol a frequência de críticas é de tal ordem elevada que os comentários ganham contornos de uma relativa descrença geral no jogador.

“Vou ser sincero: não acompanho o futebol internacional e este senhor passou directo pelo Brasileirão, por isso em nem sabia que ele existia até 2021 ou 2022. Ele é bom? Fui procurar os números dele e quando olhei não achava que ele era atacante. Avançado-centro, ainda por cima?”.

Este comentário resume aquilo que se tem traçado de Matheus Cunha. Como é que um avançado tem apenas 39 golos em 189 jogos como profissional?

A resposta não é simples, já que nem mesmo na frágil Liga suíça foi assim tão bom, com dez golos em 33 jogos, antes de passagens também pouco profícuas por Leipzig, Hertha, Atlético de Madrid e Wolverhampton.

A explicação mais evidente é que não se trata de um verdadeiro ponta-de-lança, mas de um jogador para actuar numa dupla, como elemento mais móvel. Outra explicação remete para o facto de ter passado os últimos anos em campeonatos como o alemão, o espanhol e o inglês – e quase sempre em equipas de parco volume ofensivo.

“Ah mas outros avançados em situação semelhante conseguem bons números”, dirão os mais críticos. E têm razão. Não é trivial que os valores de golos esperados na carreira, desde que chegou ao futebol alemão, estejam acima do valor real de golos marcados.

Isto significa que Matheus Cunha não é um bom finalizador e que desperdiça oportunidades de boa probabilidade de sucesso.

Muita mobilidade

E como se paga 50 milhões por um avançado que finaliza mal? Não será fácil responder a essa pergunta com um argumento arrebatador, mas, em rigor, Matheus Cunha oferece coisas que outros atacantes não oferecem.

Sem bola, o trabalho do brasileiro é tremendo – também por isso já foi muito comparado a Diego Costa. Depois, consegue trabalhar com qualidade entre linhas, algo que lhe permite actuar muitas vezes como avançado interior do 5x2x3 do Wolverhampton, deixando a zona central do ataque para outros jogadores como o português Pedro Neto, que tem pisado com frequência esses terrenos.

A análise aos mapas de calor do jogador mostra que tem sido, época após época, um avançado de muita mobilidade – praticamente não tem zonas “quentes” perto da área, o que é sempre inusitado para um avançado.

O treinador Gary O’Neil chegou a dizer que Cunha “é um espírito livre que quer sempre fazer mais e ter impacto no jogo” e que está “a tentar que ele perceba que precisamos dele como ponto central do ataque, mas sem o fazer perder aquilo que ele é”. “Ele pode baixar para ajudar a construir, mas, quando realmente importa, precisamos dele no meio da área, porque precisamos que o nosso avançado marque golos”, disse ainda.

Nesta fase da temporada, já não têm pedido tanto isso a Matheus Cunha e os números estão a começar a aparecer: nos últimos 15 jogos leva nove golos e seis assistências.

Num sistema muito mutável como é o do Wolverhampton, o brasileiro tem-se sentido confortável, trocando de posição com Neto e Sarabia em vários momentos dos jogos – ora como interior esquerdo, ora como ponta-de-lança, ora em dupla com Neto.

Ataque em “portunhol”

O’Neil desistiu de fazer de Matheus Cunha um ponta-de-lança mais clássico e teve de ser criativo, criando uma solução que permitisse ao jogador passar pela posição 9, mas sem ter de partir de lá. E o técnico recriou, nessa medida, a velha discussão sobre adaptar jogadores aos sistemas e modelos de jogo ou adaptar essas ideias aos jogadores disponíveis.

De caminho, aproveitou para fazer algo que já tinha sido feito no passado. Quando chegou ao Sion, Matheus Cunha não falava nenhuma língua além de português. “Chegou um treinador que me pôs a mim, ao Adryan e ao português Carlitos no ataque. Dizia “ninguém se entende nesta equipa, por isso vamos fazer pelo menos o ataque falar a mesma língua”. E resultou”, contou ao Globoesporte.

No Wolverhampton, O’Neil tem utilizado Cunha, Neto e Sarabia – brasileiro, português e espanhol, mais alguns brasileiros e portugueses à volta. O entendimento é, em teoria, bastante fácil.

Nesta temporada, sobretudo desde que começou a ter mais liberdade, o brasileiro leva 11 golos e esse já é um máximo de carreira. Parece animador? Um pouco mais, sim. Mas a questão vai manter-se: 50 milhões de euros por isto? Ou, se andarmos para trás, mais 30 pagos pelo Atlético, 18 pelo Hertha e 15 pelo Leipzig.

O futebol europeu já fez mexer 113 milhões de euros por um avançado que leva 39 golos em 189 jogos. Faz sentido? Não. Mas se o desempenho dos últimos 15 jogos se mantiver, pode começar a fazer.

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