Um futebol das Arábias

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1. Desde há muito que escrevemos, informando, que em conformidade com a lei portuguesa, artigo 62.º, n.º1 (Condições de reconhecimento de títulos) do regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva), as competições organizadas pelas federações desportivas, ou no seu âmbito, que atribuam títulos nacionais ou regionais, disputam-se em território nacional. Trata-se daquilo que podemos referir como o princípio da territorialidade competitiva oficial. Este princípio encontra-se inscrito na legislação desportiva desde 1990. Por esta razão e pela leitura que fazemos da norma, sem especial animosidade com a Liga, subscrevo que a Taça da Liga não pode ser disputada no estrangeiro, mesmo compreendendo a eventual força do factor económico. Só uma alteração da lei pode responder a esse anseio.

As últimas notícias que recolhi da imprensa afirmam, no entanto, que pelo menos a próxima edição será disputada em Portugal.

2. Mas as notícias também adiantaram algo de revelador e, a nosso juízo, perturbador, nesta fuga para as Arábias de jogadores e competições (das mais diversas modalidades).

A SuperCopa italiana teve lugar muito recentemente. A competição disputou-se em Riade (estádio Al-Awwal Park) e na final encontraram-se o Inter e o Nápoles. Aconteceu que, pouco antes do iniciar do jogo, veio a falecer uma lenda do futebol italiano, Riva, com 79 anos de idade. Tal facto temporal obstou a que fosse prestada a devida homenagem com o respeito de um minuto de silêncio antes do começo da partida.

3. Porém, tal momento de pesar e recordação de Riva veio a ter lugar antes de começar a segunda parte. E o que se veio a assistir nesse preciso momento? Ainda segundo as notícias, grande parte do público saudita começou a apitar, desrespeitando o silêncio. Por outro lado, os jogadores e os “poucos adeptos” italianos responderam com aplausos e cânticos em nome de Riva.

4. Esta situação, sem que se faça aqui qualquer juízo sobre a postura do público saudita (porventura estranhando o atraso e não conhecendo as verdadeiras razões que o ditaram), demonstra que é necessário olhar com cautela acrescida para o “enxerto” ou sucessivos “enxertos” de competições desportivas em países cujos adeptos não comungam do conhecimento do enxertado e que são motivados, acima de tudo, pelo espectáculo que querem consumir.

Não basta “enxertar” competições desportivas em busca de maior retorno económico. Há que rodear essa acção de cuidados especiais aquando da apresentação do produto perante o público - qualquer que seja – consumidor. Não é de todo agradável, nem correcto, que uma homenagem sentida através de um minuto de silêncio seja perturbada por esse público, nem que seja por ignorância da realidade, neste caso italiana.

josemeirim@gmail.com

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