Solidão: o que fazer para a combater?

A solidão na população sénior começa a ganhar contornos de epidemia. Para contrariar esta situação, a Fundação ”la Caixa” desenvolveu, em colaboração com o BPI, o programa “Sempre Acompanhados”.

Foto

No ano passado, o Instituto Nacional de Estatística estimava que 23,6% da população portuguesa tivesse mais de 65 anos. Para 2070, prevê-se que esta faixa etária represente 33,1% da população. Uma população envelhecida, com todos os custos que tal acarreta, tanto com a saúde física, como mental.

À medida que envelhecemos, o sentimento de solidão tende a aumentar: de acordo com o Sistema Nacional de Saúde, num estudo com mais de 1200 pessoas entre os 50 e os 101 anos, concluiu-se que 9,9% dos participantes entre os 50 e os 64 anos sentiam solidão, aumentando para 26,8% nos indivíduos com 85 ou mais anos.

Segundo a Fundação ”la Caixa”, em Portugal, cerca de meio milhão de pessoas seniores sofrem de solidão. E o impacto que tem pode ser devastador, sendo urgente procurar estratégias para a mitigar. Foi assim que surgiu o programa “Sempre Acompanhados”, em colaboração com o BPI, primeiro em Espanha e mais recentemente em Portugal, nas cidades de Lisboa e do Porto: na primeira, nas freguesias de Alvalade e Olivais, sob coordenação do Centro Social Paroquial do Campo Grande; na segunda, na freguesia do Bonfim, com a coordenação da Santa Casa da Misericórdia do Porto, e na União de Freguesias do Centro História, pela delegação do Porto da Cruz Vermelha Portuguesa. Um programa dirigido a seniores e a profissionais que trabalhem com esta faixa etária, cujo objectivo principal passa por assistir pessoas idosas que se sentem solitárias ou que correm o risco de se sentirem sozinhas.

O que é a Solidão?

Os dicionários definem-na como sendo o “estado de estar só, isolamento” ou “lugar solitário, retiro”. Mas a “solidão” vai além destes conceitos. Nasce da necessidade de o ser humano se encontrar com os seus pares, estando relacionada com experiências como o isolamento, a depressão, o desespero, a falta de propósito, o sentimento de falta de controlo, a experiência do vazio. A solidão além de um sentimento, é, também, um problema de saúde pública.

O impacto da solidão na saúde mental

A pandemia da COVID-19 levantou o véu a vários aspectos da solidão. O afastamento de amigos e família levou a que muitos se sentissem sozinhos, tristes, abandonados. Para João Malva, Investigador Coordenador na Universidade de Coimbra e um dos palestrantes do programa “Sempre Acompanhados” (do programa, faz parte um conjunto de sessões com especialistas que abordam diferentes temas), os confinamentos a que fomos submetidos acabaram por despertar a consciência da sociedade para esta temática.

O Programa tem previstas várias sessões de formação para profissionais, em Lisboa e no Porto, até ao mês de Junho. Consulte o calendário e as temáticas de cada sessão aqui.

“A solidão não desejada causa grande sofrimento nas pessoas, porque nós somos seres sociais. E como seres sociais, precisamos da atenção dos outros, do carinho, precisamos da partilha, de uma rede social”, explica. É este tipo de solidão que prevalece na população sénior, ora devido à perda de um cônjuge, ora porque os filhos saíram de casa, ora até porque se entrou na reforma e as rotinas de sempre, com colegas e amigos, deixaram de existir.

É quando se deparam com o esvaziamento dessas redes de amizade e de conexão social que muitos seniores começam a ganhar consciência que querem e precisam de companhia e do apoio de alguém. Não o tendo, entram num “processo de sofrimento que pode levar à depressão, a um sentimento interior que depois arrasta numa cascata de outros problemas (como o desleixo do autocuidado), que leva à emergência de problemas de saúde associados, podendo ainda levar a deterioração da condição física e psicológica”, refere João Malva.

Solidão, saúde mental e demência

Uma das palestras incluídas na série de conferências do programa “Sempre Acompanhados” será ministrada por João Malva, em Abril, sobre o tema “memória, deficiência cognitiva e demência”. Três grandes chavões tão ligados à idade sénior: “Associamos muito a demência a uma idade mais avançada, porque a perda de capacidade cognitiva com a idade é um processo fisiológico, natural”, explica.

Tal como o corpo atinge uma determinada robustez numa certa fase de vida, e, inevitavelmente, começa a afrouxar com a idade, também o mesmo acontece com o cérebro. Porém, não de uma forma tão linear, graças às “relações cognitivas que têm muito que ver com a cultura e a socialização, que permitem ganhar mais competências, mesmo em fases mais avançadas da vida”, realça João Malva. Ou seja, é possível retardar o envelhecimento do cérebro através da “estimulação cognitiva, da literacia intelectual, da curiosidade”, o que pode ser feito, sobretudo, quando não nos isolamos e mantemos relações sociais saudáveis.

O papel dos profissionais

Num país com uma população cada vez mais envelhecida, é necessário desenvolver estratégias para uma velhice mais activa. Para isso, “as respostas sociais e de saúde têm de ser trabalhadas”, devendo haver, desde logo, “uma proximidade entre o apoio social e o de saúde”, defende João Malva.

Actualmente, os modelos criados para profissionais que trabalham idades seniores começam a tornar-se obsoletos, dada a evolução da sociedade. É preciso, por isso, mudar o paradigma e deixar de olhar para as pessoas como meros utilizadores de um serviço prestado. “Uma pessoa de idade maior em 2020 não é igual a uma pessoa de idade maior em 1970, e não é seguramente igual a uma de 2050. As respostas têm de evoluir em função das necessidades e evolução de cada um de nós, porque nós enquanto sociedade evoluímos, assim como enquanto pessoas.”

Um programa que combate a solidão em idade sénior

A solidão está estritamente ligada à perda de relações. Talvez por isso seja tantas vezes vivida em silêncio, devido ao sentimento de culpa e vergonha que pode causar em quem sofre dela. Desta forma, passa, muitas vezes, despercebida à sociedade.

Tristeza, depressão, apatia ou falta de esperança são sentimentos que todos experimentamos, e que são naturais. Mas podem ser também a causa da solidão. Ter consciência dela é o primeiro passo para encontrar os recursos necessários, como as redes de apoio e de ajuda. É por isso que a Fundação ”la Caixa”, em colaboração com o BPI, criou o programa “Sempre Acompanhados”, destinado a maiores de 60 anos que se sintam sós ou que apresentem alguns factores de risco que os possam levar a sentir-se sós (por exemplo, viuvez, reforma ou doenças crónicas), capacitando-os e facilitando a criação de relações de confiança, compromisso e colaboração com o ambiente, oferecendo ainda apoio na procura de recursos para gerir o dia-a-dia.

Desenvolvido em Espanha, chegou a Portugal há ano e meio, a duas freguesias de Lisboa (pela coordenação do Centro Social Paroquial do Campo Grande) e duas do Porto (coordenado pela Santa Casa da Misericórdia do Porto pela delegação do Porto da Cruz Vermelha Portuguesa), e o balanço é já positivo: “Os números são interessantes: temos centenas de pessoas acompanhadas e as acções de sensibilização também estão em marcha”, refere João Malva. O intuito passa agora por chegar a mais equipas, para que repliquem o programa noutros territórios e, assim, chegar a mais pessoas.

Sugerir correcção
Comentar