Estas casas não são para portugueses felizes

Por estes preços merecíamos mais, até porque vamos ter de nos endividar fortemente e viver muitos anos felizes e com saúde para poder pagar por coisas que não foram inicialmente pensadas para nós.

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Infelizmente preciso de encontrar uma casa nova. A família cresceu, precisamos de mais espaço. As crianças precisam de mais condições para brincar e para as suas atividades. Viver no centro da cidade serviu-nos bem quando éramos um jovem casal. Agora precisamos de procurar uma nova casa, ajustada às nossas novas necessidades. No entanto, quando comecei a procurar, fiquei espantado. O que está disponível não é para portugueses. Os valores não são coerentes com o poder de compra médio e não parece ser normal trocar de casa ao longo da vida — apenas quando os casais se divorciam ou por infortúnios vários. Mas não foi só isso que me espantou.

Começamos a ver casas caríssimas, com preços antigamente associado a casas de luxo. Ou seja, os rendimentos pouco aumentaram, mas as habitações duplicaram e triplicaram de preço em alguns casos. O mesmo se aplica ao meu apartamento, sem muito que possamos fazer. Se queremos mudar temos de entrar nas lógicas do mercado e destes preços incomportáveis. Não existe alternativa.

A outra surpresa foi o estado das casas disponíveis. Sempre valorizámos a vivência interior e as relações com o exterior, mesmo nos apartamentos. Disponibilidade de luz natural, a utilização de materiais que criem ambientes mais naturalizados como a madeira. Os tons e cores igualmente suaves e que replicam estados da natureza, verdes, azuis e afins. Por isso ficamos chocados com a pobreza massificada do branco e preto. Casas que parecem escritórios desumanizados. Janelas pequenas, sem a devida localização para maximização da luz solar. Persianas e cortinas que tapam a pouca luz que poderia entrar nos espaços. Varandas com marquises transformadas em lavandarias. Um sem fim de coisas desagradáveis e desperdícios.

Chocam-me as decorações, salpicando divisões gigantes, ao ponto de se tornarem inúteis. Desperdícios de espaços que acentuam a nossa pobreza energética. É dispendioso aquecer espaços grandes, que recebem pouca luz solar e cujos materiais tendem para a pouca retenção do calor. Mas claro, no verão precisamos de arrefecimento. As cortinas interiores, nesse caso, de pouco adiantam. E fiquei pasmado ao saber quanto podem custar as cortinas que víamos.

Das casas que visitámos, poucas tinham livros, jogos e condições para atividades lúdicas e sociais. Não conseguia deixar de procurar jogos de tabuleiro, ou não fossem a minha vida profissional e uma forma importante de socialização. Estas ausências são sinais de pouca atenção dedicada às atividades lúdicas caseiras. Parece que o foco do investimento é canalizado para um exterior meramente decorativo. Continuam a persistir colunatas, varandas e jardins sem utilização efetiva.

Continua difícil encontrar casa na minha cidade. Na vossa deve ser igual. Os preços não parecem ser feitos para nós. O que existe é caro e precisa de um brutal investimento. Nas casas novas falta alma. Não sei se as nossas casas algumas vez tiveram o que procuro. Provavelmente só sentimos falta do que conhecemos ou experienciámos. Agora, por estes preços merecíamos mais, até porque vamos ter de nos endividar fortemente e viver muitos anos felizes e com saúde para poder pagar por coisas que não foram inicialmente pensadas para nós.

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