Sobre a integridade desportiva. Três em um

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1. No passado dia 19, foi publicada a Lei n.º 14/2024, que veio estabelecer o regime jurídico da integridade do desporto e do combate aos comportamentos antidesportivos e revogar as Leis 112/99, de 3 de Agosto, e 50/2007, de 31 de Agosto. A primeira lei revogada estabelecia o regime disciplinar das federações desportivas, em parte já tacitamente revogado, e a segunda um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos susceptíveis de afectar a verdade, a lealdade e a correcção da competição e do seu resultado na actividade desportiva (que já tinha sofrido alterações).

2. Devo confessar que não sou muito adepto desta técnica legislativa de “aglomeração” de diplomas já existentes com novas necessidades de legiferação, pois, para além de uma certa ideia de “parcelar codificação”, corre-se o risco de agrupar algo que não deva ser agrupado. Ganha-se, isso é certo, vantagens comunicacionais.

3. No caso presente, a novidade, encarada a lei na sua generalidade, situa-se no alinhamento com a Convenção do Conselho da Europa sobre a Manipulação de Competições Desportivas. Falamos da criação da Plataforma nacional destinada ao tratamento da manipulação de competições desportivas. A Plataforma é um órgão colegial que funciona junto da Unidade Nacional de Combate, coordenada pelo director dessa unidade.

Eis algumas das suas competências: coordenar a luta contra a manipulação de competições desportivas; funcionar como um centro de informação, recolhendo e transmitindo informação relevante sobre manipulação de competições desportivas de e para organizações e autoridades competentes em matéria de prevenção e repressão destes comportamentos, designadamente autoridades judiciárias, policiais, desportivas, governamentais e de regulação do mercado do jogo com vista à actuação na respectiva área de competências; receber, centralizar e analisar informações sobre apostas desportivas irregulares e suspeitas em competições desportivas realizadas em Portugal e, se for caso disso, emitir alertas, cooperar com organizações e autoridades competentes, a nível nacional e internacional, nos termos da legislação em vigor, na partilha de informações no contexto de investigações criminais, bem como de inquéritos disciplinares desportivos ou do exercício de competências pelas autoridades de regulação do mercado de jogo e apostas desportivas; prestar às federações desportivas o apoio técnico que por estas seja solicitado, quer na elaboração, quer na aplicação dos respectivos regulamentos para a integridade do desporto; e emitir parecer vinculativo sobre os regulamentos de luta contra a manipulação de competições desportivas adoptados pelas federações desportivas.

4. O sucesso da luta contra os comportamentos contrários à integridade desportiva em muito passará pela acção e os meios dedicados a esta Plataforma. Contudo, para as federações desportivas fica também sublinhada, pela lei, a sua relevância. Nesse sentido, a lei prevê um conjunto de infracções disciplinares e um dever de regulamentação.

5. Destaque-se, aqui, o disposto no artigo 31.º, que estabelece o relacionamento entre o processo criminal e o disciplinar. Embora se afirme a autonomia dos ilícitos e a independência da promoção do processo disciplinar face a qualquer outro, adianta-se (n.º 3) que “Quando, com fundamento nos mesmos factos, seja instaurado processo criminal contra os sujeitos suspeitos da prática de ilícito disciplinar ao abrigo da presente lei, pode ser ordenada a suspensão do processo disciplinar, devendo a mesma ser comunicada pela respectiva federação à autoridade judiciária competente, a qual deve ordenar a remessa à federação em questão de cópia do despacho de acusação e, se a ele houver lugar, do despacho de pronúncia. A suspensão do processo disciplinar cessa se decorridos 18 meses, contados desde a data da sua instauração, não for proferido despacho de acusação ou, se a ele houver lugar, despacho de pronúncia, sendo os factos apurados no processo disciplinar (n.º 4). Sempre que, em processo criminal contra suspeito da prática de ilícito disciplinar ao abrigo da presente lei, for designado dia para a audiência de julgamento, o tribunal ordena a remessa à respectiva federação, preferencialmente por via electrónica, do despacho de acusação, do despacho de pronúncia e da contestação, se tiver sido apresentada, bem como quaisquer outros elementos solicitados pela federação (n.º 5).

josemeirim@gmail.com

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