Do assédio à paridade de género

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1. Mesmo no final do campeonato parlamentar aprovou-se um texto — futura lei — intitulado “Consagra o assédio como infracção disciplinar no âmbito do regime jurídico das federações desportivas e prevê a criação de canais de denúncia de infracções de normas de defesa da ética desportiva”. A iniciativa legislativa coube ao PAN e, assim nos parece, movida por boas intenções. Todavia, recebidos que foram alguns contributos externos (FPF, IPDJ e COP), em debate na especialidade, que contou ainda com diversas propostas de partidos, levado a cabo na comissão parlamentar competente, significativas alterações se vieram a registar perante aquilo que era o projecto de lei originário.

2. Assentemos, para facilitar a leitura, que o texto vem precipitar um conjunto de alterações ao regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de Dezembro.

Em primeiro lugar, registe-se o facto de a autonomização da infracção disciplinar do assédio não ter vingado, como integrando um atentado à ética desportiva. Prevista em algumas federações (caso da FPF), podendo viver ao abrigo de outras menções mais abrangentes, o foco inicial do projecto morreu.

3. Então o que sobrevive nesta futura lei? A alteração aos artigos 27.º, 29.º, 32.º e 53.º do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de Dezembro. Daí decorre, em primeiro lugar, para as federações e para as Ligas, o estabelecimento de uma proporção de representação (a proporção de pessoas de cada sexo designadas para cada órgão de administração e de fiscalização não pode ser inferior a 33,3%). Em segundo lugar, a obrigatoriedade da existência de um canal de denúncia interna destinado a factos susceptíveis de configurarem infracção de normas de defesa da ética desportiva. Em terceiro lugar, a aplicação às Ligas do regime disciplinar das federações desportivas.

4. Seguem-se as normas finais e transitórias. Assim, as federações devem adaptar os seus estatutos e regulamentos disciplinares ao disposto na lei até à data da apresentação do requerimento de renovação do estatuto de utilidade pública desportiva. Por sua vez, as Ligas devem adaptar os seus estatutos e regulamentos disciplinares ao disposto na lei no prazo de 180 dias após a sua entrada em vigor. Por outro lado, a proporção de pessoas de cada sexo a designar para cada órgão das federações desportivas não pode ser inferior a 20%, a partir da primeira assembleia geral electiva após a entrada em vigor da futura lei, e a 33,3%, a partir da primeira assembleia geral electiva após 1 de Janeiro de 2026. Aparentemente não há regime transitório, nesta matéria, para as Ligas. E assim chegámos a um Decreto da Assembleia da República que “Estabelece a proporção de pessoas de cada sexo na composição dos órgãos das federações desportivas e da Liga profissional e prevê a criação de canais de denúncia de infracções de normas de defesa da ética desportiva, alterando o Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de Dezembro”.

5. Não nos conforta este “remendo” do regime jurídico das federações desportivas, alcançado em final de época. Tal regime tem um peso essencial no quadro do sistema desportivo nacional e o que ansiamos, e já o afirmámos por diversas vezes, é por uma revisão global e não por pontuais alterações ao correr do tempo e da pena.

6. O que aguardamos, com pouca esperança seja dito, é que os programas eleitorais e depois o programa de Governo, qualquer que ele seja, venha a incorporar esta matéria, a que já somámos a leitura crítica da lei de bases da actividade física e do desporto.

josemeirim@gmail.com

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