A luta do goleador mais feminista de Inglaterra

Chris Wood é unidimensional no seu futebol, mas está longe de o ser na vida de futebolista, ajudando as jogadoras a terem as regalias dos homens.

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Wood em acção pelo Forrest Reuters/MOLLY DARLINGTON
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Neste sábado, na Liga inglesa, houve golo do avançado mais feminista de Inglaterra. Mesmo que tomada pela hipérbole, que nunca será possível garanti-la a 100%, a premissa não andará longe da verdade, sobretudo se cingirmos a amostra aos jogadores da Premier League.

Haverá alguém no futebol de topo a ter verbalizado tanto apoio às futebolistas como Chris Wood? Haverá alguém no futebol de topo a ter tido tanto impacto no aumento dos salários das jogadoras no seu país como Chris Wood? Haverá alguém no futebol de topo a quem o tema da igualdade entre futebolistas homens e mulheres seja tão caro como a Chris Wood? Provavelmente, não – e se essa pessoa existe, não tem exibido esses predicados.

Wood cresceu com uma irmã, Chelsea, que sempre gostou de jogar futebol. Chegaram até a ser colegas de equipa na Nova Zelândia, dos quatro aos 12 anos, e o próprio atleta reconhece que “tinha muito mais velocidade e marcava os golos, mas ela tinha um melhor passe e um melhor toque”.

Apesar do talento, a irmã, que chegou a jogar em Mundiais sub-17 e sub-20, deixou o futebol e abraçou a oftalmologia, em boa parte por sentir que o futebol não seria um caminho de prosperidade financeira.

Além disso, Wood casou com a inglesa Kirsty Linnett, que foi futebolista profissional – acabou a carreira em 2021, no Liverpool.

Acordo histórico

Como capitão da selecção da Nova Zelândia e membro do sindicato de jogadores, Wood ajudou a um acordo histórico no país que estipulou que a selecção feminina seria igual à dos homens nos pagamentos, prémios, direitos de imagem e condições de viagem e alojamento.

“Não se trata de ter mulher ou irmã que jogam futebol. Trata-se de fazer o que é certo. Estas pessoas são atletas profissionais. Dispensam tanto tempo e esforço como os homens, se é que não mais. Na Nova Zelândia, se queres estar na selecção tens de abdicar da tua vida e ir para Auckland, que é onde estão os treinadores e a base das selecções. E elas não eram subsidiadas com algo para que começassem. Tinham apenas de ir, sem ajuda para encontrarem novos empregos, casa ou ajuda com a transição”, explicou ao Guardian, em 2018.

Wood garantiu ainda que não encontrou qualquer resistência na federação assim que se assumiu como “testa de ferro” nas negociações pelas colegas mulheres, levando consigo toda a selecção masculina. “Assim que lhes abri os olhos para o que elas passam, a reacção [da federação] foi perguntar o que poderia fazer para ajudar. Dissemos ‘na selecção masculina ficamos com o que temos e não pedimos nada mais, mas queremos que a feminina tenha exactamente o mesmo’. Foi um passo histórico”, detalhou.

A falência da equipa feminina do Notts County, onde jogava a mulher, foi um episódio que Wood descreve como “impossível de acontecer no futebol masculino”. “Acontecem coisas no futebol feminino que não deveriam acontecer”, acrescenta.

Carreira de Liga inglesa

O que tem conseguido na luta feminista é elogiável, mas está longe de ser o principal feito de Wood enquanto futebolista. O jogador que marcou neste sábado no Nottingham Forest-Bournemouth (2-3), jogo de estreia de Nuno Espírito Santo no comando técnico do Forrest, tem tido uma carreira interessante e que vai além do impacto feminista extra-relvado à escala neo-zelandesa.

Como “panzer” de tremendo poder físico, mas valências técnicas limitadas, Wood tem feito da Liga inglesa uma tela para rascunhos nem sempre de topo, mas constantes e consistentes.

Anos houve em que foi foco de um futebol directo, onde prosperou (como no Leeds de 2016/17 no Burnley de 19/20), e outros existiram em que foi apenas uma solução de recurso para momentos de desespero no final dos jogos – aí, fez o que pôde, mas quase sempre com temporadas acima da dezena de golos.

Aos 32 anos, já poucos esperarão grandes aventuras de Wood acima disto, mas nem o próprio exigirá isso a si mesmo: foi e é jogador de Premier League durante anos e esteve num Mundial e dois Jogos Olímpicos.

Para quem veio da Nova Zelândia, já é um percurso e tanto, até porque, segundo o próprio, chegou a ser gozado – definiu-o como bullying – por querer jogar futebol numa terra de râguebi. Anos depois, tentou acabar com outro tipo de bullying: o dos salários das futebolistas profissionais de futebol. À escala neo-zelandesa, conseguiu.

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