Mais Habitação, menos tempo

A resposta para o drama da habitação deverá centrar-se, antes de tudo e sem distrações, no alargamento do parque habitacional público, que atualmente corresponde a apenas 2% das casas no país.

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No início deste ano o Governo aprovou o pacote Mais Habitação. Em agosto, o Presidente da República vetou. O Governo não alterou uma vírgula, o diploma voltou ao Parlamento, e os socialistas aprovaram-no pela segunda vez. O Presidente foi então obrigado a promulgar. Mas deixou uma ameaça, ao estilo de “quem ri por último ri melhor”, salientando que, depois da promulgação, o Mais Habitação terá de ser regulamentado e, nesse momento, voltará à sua mão. Aí Marcelo fará certamente uso de todas as competências que lhe são atribuídas para se vingar desta proto-bravata governativa. Entretanto, a Iniciativa Liberal propôs a fiscalização sucessiva do diploma no Tribunal Constitucional. O PSD, pela voz do seu líder, acusou o Governo de intransigência, dizendo que o PS está sozinho nesta matéria, sem “um único apoiante de relevo na sociedade portuguesa”.

Todas estas discussões serão certamente muito interessantes para alimentar debates televisivos e para animar a luta político-partidária. Não são tão interessantes para as mais de 70.000 famílias que vivem em Portugal em condições indignas, de acordo com os dados das Estratégias Locais de Habitação desenvolvidas pelos municípios, recentemente publicados.

Estas pessoas precisam mesmo, desesperadamente, de soluções rápidas e eficazes para o problema dos elevados custos da habitação. E há vários fatores que estão na origem desse problema. Mas há um principal, amplamente divulgado e relativamente consensualizado: a escassez da oferta. Faltam casas disponíveis no mercado de venda e de arrendamento, num momento em que a procura é altíssima. O número total de novas casas construídas em Portugal na última década foi inferior a 1/4 do número total verificado na década anterior. A explosão da crise habitacional representa uma realidade perfeitamente previsível.

Estamos a três meses das eleições legislativas que ditarão a constituição do próximo Governo. É duplamente preocupante a possibilidade de termos o discurso e o debate em torno deste problema centrada no Mais Habitação. Primeiro, porque as medidas deste programa, mesmo que bem executadas, não conduzirão a um aumento significativo da oferta. Segundo, porque é um foco de uma polarização e de uma discordância insanáveis. A sua aprovação no Parlamento fez-se com votos a favor unicamente dos deputados do PS. A oposição em peso votou contra (à exceção dos deputados únicos do PAN e do Livre, que se abstiveram). Os vários partidos da oposição apresentaram 320 propostas de alteração. Todas elas foram rejeitadas pelo executivo.

A resposta para o drama da habitação em Portugal deverá centrar-se, antes de tudo e sem distrações, no alargamento do parque habitacional público, que atualmente corresponde a apenas 2% das casas no país (uma percentagem que fica abaixo de metade da média da União Europeia). Sem isto, nada feito. Sem casas públicas não há políticas de habitação que nos valham. Depois da sua reprogramação, temos mais de 3,2 mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) maioritariamente destinados à construção de novas habitações públicas. E nada disto depende das discussões que elenquei no primeiro parágrafo. Nada disto depende de medidas polémicas. Nada disto levanta dúvidas constitucionais. Neste aspeto, acredito que a maioria dos deputados (os atuais e os que serão eleitos em março de 2024) estará de acordo.

Não obstante, a execução desta componente do PRR segue a ritmo de caracol. À data de hoje, apenas 18% dos fundos afetos à habitação foram efetivamente transferidos para os benificiários diretos e indiretos. A não ser que haja uma prorrogação do prazo estipulado, algo que até ao momento não está em cima da mesa, os fundos não utilizados até 2026 serão perdidos. Temos, urgentemente, de acelerar o passo, simplificando procedimentos e desburocratizando a aprovação dos projetos, que continuam a carecer de pareceres de demasiadas entidades, que demoram demasiado a responder.

Dada a dimensão do problema, o país tem esta missão coletiva: empenhar todos os esforços na execução de cada euro destes 3,2 mil milhões. Neste contexto, a dificuldade não está na gestão do dinheiro, mas sim de um outro recurso que em Portugal parece sempre escasso: o tempo.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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