Vila do Conde reconstrói duna que o mar levou, mas risco de uma réplica é “iminente”

Acidente fez estragos na Reserva Ornitológica do Mindelo, ameaçando espécies autóctones. Associação Fapas lamenta atraso dos trabalhos.

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No início do ano, um pedaço do cordão dunar da Reserva Ornitológica do Mindelo foi engolido pelo mar Tiago Bernardo Lopes/Arquivo
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Passou quase um ano desde que houve uma ruptura no cordão dunar da Reserva Ornitológica do Mindelo (ROM), em Vila do Conde, mas só agora é que arrancaram os trabalhos de reconstrução da parte da duna que foi afectada. Neste intervalo de tempo, a água do mar foi entrando pela reserva natural mais antiga do país e fez estragos no ecossistema. A Fapas – Associação Portuguesa para a Conservação da Biodiversidade alertava há anos para a existência de um potencial acidente e hoje sublinha ser necessário que a obra seja realizada por toda a extensão da linha de mar contígua à ROM. A Câmara de Vila do Conde afirma que este é só o início de uma empreitada considerada “crucial”, que arrancou apenas na semana passada por força do cumprimento de um calendário que “não depende da vontade” da autarquia.

No início deste ano, na madrugada de 1 de Janeiro, um pedaço da duna que faz barreira entre o mar e a reserva fundada em 1957 foi engolida pelas águas. E parte do passadiço também foi destruído. Depois do sucedido, a Fapas, que desde 2019 já tinha sinalizado o risco de acidente, avisou a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a autarquia sobre o que acontecera. A prioridade seria conter os danos da derrocada e a hipótese de o mesmo ocorrer na extensão litoral dos cerca de 8,5 quilómetros da reserva que tem uma área total de 380 hectares, entre a foz do rio Ave, a norte, e a foz do rio Onda, a sul.

Aquilo que a associação previa aconteceu. Contactado pelo PÚBLICO, Vítor Gonçalves, coordenador no Mindelo da Fapas, descreve o cenário dos estragos: “Os danos foram muitos, atendendo que os terrenos a nascente da zona primária foram muito contaminados pelas águas salgadas que, entretanto, foram invadindo o terreno onde ocorreu a ruptura do cordão dunar. E, naquela zona, os danos são consideráveis. Era importante que se fizesse a reconstrução dunar o mais rapidamente possível. Isso não ocorreu.”

Vítor Gonçalves sublinha que o atraso no avanço da obra ultrapassa questões camarárias e prende-se também com procedimentos burocráticos, nomeadamente com estudos que têm de ser realizados em conjunto com a APA, que entende já estarem previstos pelo Plano de Ordenamento da Orla Costeira Caminha-Espinho e, por isso, considera-os redundantes. A obra que agora arrancou, diz, não é definitiva, é “provisória”. O seu receio é que noutros pontos do cordão dunar aconteça o mesmo que aconteceu na madrugada de 1 de Janeiro. “Toda a frente de costa da reserva está em risco iminente”, alerta.

Em resposta ao PÚBLICO, enviada por email, o presidente da Câmara de Vila do Conde, Vítor Costa, enumera as outras obras agendadas para a reserva: “Estão previstas outras intervenções na ROM, como a construção de um novo troço de passadiços, reposicionando-os mais afastados da duna primária, e o Restauro Ecológico e Paisagístico da Ribeira de Silvares – um troço da ribeira será regularizado e serão estabilizados as margens e os taludes, recorrendo a técnicas de engenharia natural.”

Sobre o tempo que foi necessário esperar para que a obra de reconstrução do pedaço da duna que foi engolida pelo mar avançasse remete para questões laterais, alheias à autarquia. “O início da obra tem de cumprir com uma série de timings que não dependem apenas da minha vontade. O primeiro passo foi elaborar um estudo para a reposição dunar provisória, em conjunto com a entidade responsável, APA-ARHNorte, tendo sido obtido o parecer necessário e favorável em 11 de Julho de 2023. Para além disso, era conveniente que esta operação decorresse fora da época balnear. Assim, para a realização da obra, foi elaborado um procedimento concursal, com todos os prazos normais dos procedimentos até à consignação da obra, que teve lugar em 27 de Novembro de 2023”, escreve o autarca socialista que sucedeu a Elisa Ferraz, que cumpriu o último mandato em Vila do Conde pelo movimento independente NAU, depois de se desvincular do PS.

A autarquia prevê que a obra, orçada em 60 mil euros, que “visa reconstruir a duna destruída e repor a modelação natural existente na zona interdunar”, esteja concluída no início de 2024. O impacto da destruição da duna na ROM e da ausência de uma correcção imediata, adianta a autarquia em comunicado enviado às redacções no início da semana, foi “a salinização de uma parte considerável dos terrenos, ameaçando a biodiversidade e a flora autóctone”.

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