Apressados para regressarem ao vazio

A pressa que refiro decorre desta falsa sensação de realização que assegura apenas o regresso ao vazio que lhes espera.

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Megafone P3: Apressados para regressarem ao vazio Stefan Stefancik/Pexels
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Não é uma nova constatação. Tão-pouco um fenómeno que careça de explicações inovadoras. As pessoas estão com mais pressa. Pressa para se chegar a casa ou ao trabalho, para apanhar as crianças na escola, para encontros e tudo o resto que uma vida urbana pode impor – e lhes desafiam com as distâncias percorridas adensadas pela ineficiência dos transportes públicos.

Não falo das pessoas cujas condições económicas e habitacionais obrigam a “correr de um lado para o outro”, entre múltiplos trabalhos remunerados ou não. Falo de uma sensação de realização urgente que é transversal a toda sociedade urbana.

A pandemia veio aguçar esta sensação de urgência que se inscreve em todas as situações sociais na cidade – de se chegar cedo ao trabalho para se sair mais cedo, de não se perder tempo nos transportes cheios ou nos enormes engarrafamentos para se percorrer distâncias mínimas. O que mudou, desde então, é uma perda de capacidade de se estar com outras pessoas.

A expressão “só no meio da multidão” transgrediu limites que pareciam estáveis – as pequenas interacções quotidianas nos cafés, esplanadas e bares, nas cantinas das faculdades, nas praias e todo o espaço público que uma cidade possa oferecer.

O isolamento parece vir de dentro das pessoas, reverbera nas suas formas de ver e estar no mundo. Afastam quaisquer, por mais que ínfimas, possibilidades de interacção se não vierem previamente estabelecidas por mecanismos de protecção – pessoas amigas em comum, do trabalho ou de espaços educacionais, de espaços familiares. Tudo que lhes é alheio, afastam; e não há satisfação no gesto – vide as consequências da solidão no ocidente europeu.

A pressa que refiro decorre desta falsa sensação de realização que assegura apenas o regresso ao vazio que os espera – em casa, mesmo em família; nas relações amorosas e amistosas quando se sentem em constante avaliação pelas emoções demonstradas, pelas roupas, locais de residência, destinos de férias etc.; no trabalho devido aos desafios profissionais capitalistas; num sentimento pertença iminente e etéreo a um grupo de desconhecidos pela partilha de códigos comuns.

Transcrevo o enxerto de uma canção de um compositor que cantava o seu tempo, mas que ainda assim foi capaz de cantar a transversalidade da mediocridade: “Agora eu vou cantar p'ros miseráveis/…/ P'ra quem vê a luz/ Mas não ilumina suas minicertezas…/ P'ra quem não sabe amar/ Fica esperando alguém que caiba no seu sonho/ Como varizes que vão aumentando/ Como insectos em volta da lâmpada”.

Estas minicertezas quando perpetuadas em lentes de se ver o mundo reduzem a nossa capacidade de se libertar da sensação de realização urgente, e por fim, na pressa em substituir sensações, sentimentos e emoções quando não nos trazem a satisfação plena e imediata.

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