Ajudar nas horas difíceis sem pedir nada em troca

Por todo o país, Equipas de Apoio Psicossocial (EAPS) ajudam pessoas com doença avançada e as suas famílias. Um trabalho que não seria o mesmo sem a mão de voluntários diariamente dedicados à causa.

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“A psicóloga diz que não podemos afeiçoar-nos muito, mas é difícil.” Vinte e oito anos se passaram desde que Natália Mendonça se iniciou como voluntária no Hospital de Faro, mas a experiência não lhe tira humanidade, apenas a torna mais consciente do seu papel. Hoje, integra a equipa que dá apoio na consulta externa de cuidados paliativos naquele hospital. E nada a faz mais feliz.

Natural de Almancil, emigrou ainda criança para a Venezuela onde viveu durante 35 anos e onde trabalhou como técnica de recursos humanos. Chegada a Portugal, tentou dedicar-se ao comércio, mas sem sucesso. Acabou por ficar em casa a cuidar da família, até que um dia viu um anúncio no Jornal do Algarve para recrutamento de voluntários para o Hospital de Faro. Foi assim que, em 1995, descobriu um novo dom.

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Natália Mendonça Márcio Fernandes | Gabinete de Comunicação CHUA

“Comecei pelo serviço de radiologia, estive na urgência e também nos lanches.” Agora com 76 anos e cheia de vida, recorda que em tempos idos chegaram a ser mais de 80 voluntários. A sua dedicação à causa foi tal que em 2004 passou também a ficar responsável por fazer as escalas dos restantes colegas. “Voluntariado é partilhar o meu coração com outros corações, preenche-me muito e faz-me tão feliz”, sorri Natália Mendonça.

Porém, o desafio maior estava por vir. Em Abril de 2022, uma equipa de voluntários começou a dar apoio também na consulta externa dos cuidados paliativos, no âmbito do Programa Humaniza - Apoio Integral a pessoas com Doenças Avançadas da Fundação "la Caixa", pensado para prestar apoio a pessoas com doença avançada e respectivas famílias.

Entre a equipa de voluntariado do Hospital de Faro e a Liga Portuguesa Contra o Cancro são 11 os voluntários que, dois dias por semana, ali dão do seu tempo. “A actividade dos voluntários é desenvolvida através do acompanhamento dos doentes e familiares ou cuidadores desde a sua chegada, até à consulta, podendo igualmente prestar apoio durante a consulta, acompanhando o doente para permitir que os familiares ou cuidadores se reúnam com a equipa multidisciplinar”, explica o médico Giovanni Cerullo, director da Equipa de Apoio Psicossocial (EAPS) do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA).

Consciente da importância do trabalho desenvolvido pelos voluntários, Natália Mendonça sabe que “o que se diz a um doente dos cuidados paliativos não é o mesmo que se diz a um doente da urgência”, e lembra: “Nem sempre os doentes estão disponíveis para falar e o voluntário deve ter o bom senso para saber quando se deve calar. Às vezes só a presença é suficiente, outras vezes não - pode haver um doente que prefere não ver ninguém”.

Giovanni Cerullo reforça que “este apoio reveste-se de uma riqueza assente na compaixão, proporcionando um ambiente seguro, bem como um apoio diferenciado ao doente e ao seu familiar ou cuidador”.

Desde o início, estes voluntários já apoiaram mais de 500 utentes e mais de 400 familiares. Cátia Martins, assistente social e responsável pelo projecto de voluntariado da EAPS em Cuidados Paliativos no CHUA, reconhece: “Os voluntários desempenham um papel essencial para criar um ambiente seguro e acolhedor, onde a empatia e a escuta activa são centrais no apoio aos doentes em situações difíceis. A contribuição dos voluntários tem sido inestimável na melhoria do bem-estar e na humanização dos cuidados e eles são considerados parte integrante da equipa”, afirma.

“Um pequeno gesto”

Psicólogo de profissão, Miguel Silva, 29 anos, é um dos voluntários da EAPS da Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP), no âmbito do Programa Humaniza. É o mais novo de quatro irmãos e recorda que, muitas vezes, durante a infância e adolescência, beneficiou de acções de voluntariado, sendo esta uma das razões que o levaram a integrar o Programa. “Não posso dizer que não há lágrimas, mas acabo sempre o dia de coração cheio. As pessoas nunca penduram em nós os seus fardos: são sempre lisonjeiras e carinhosas”, conta.

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Não posso dizer que não há lágrimas, mas acabo sempre o dia de coração cheio. As pessoas nunca penduram em nós os seus fardos: são sempre lisonjeiras e carinhosas." Miguel Silva, voluntário da EAPS da Santa Casa da Misericórdia do Porto

São nove os voluntários que fazem parte da equipa e que "são um exemplo necessário de humanização do sistema de saúde”, diz Cláudia Pires, psicóloga e directora da EAPS da SCMP. “A entrega constante, a disponibilização do tempo, a empatia e a escuta activa, aliados ao amor ao próximo são os ingredientes chave do voluntariado do Programa Humaniza”, acrescenta.

O apoio destes voluntários é dado sempre em ambiente domiciliário e abrange doentes e familiares. “A maior dificuldade é o choque de aprender que estas realidades existem e piores existirão. Pode ser um banho de água fria se o voluntário não estiver à espera. No entanto, há sempre algo em nós que expande e cresce quando nos deparamos com cenários assim”, confessa Miguel Silva. Já Natália Mendonça espera continuar a ter saúde para dar do seu tempo aos outros: “Costumamos dizer que não recebemos nada em troca, mas não é verdade.”

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