Aeroporto em Alcochete: 250 mil sobreiros, e mais

O projeto do aeroporto no campo de tiro ameaçaria bem mais de 250 mil sobreiros. E este está longe de ser o único atentado ambiental do projeto de Alcochete.

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Quem o feio ama, bonito lhe parece
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Sim, o projeto do aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete (CTA) ameaçaria bem mais de 250 mil sobreiros.

O que o indica? Os próprios Estudos de Impacto Ambiental do projeto, aprovados em 2010, onde se lê “toda a área de implantação do NAL será desarborizada” e “no total, serão desarborizados 1102 hectares” de montado no aeroporto, a que se poderão acrescentar 169 hectares na faixa envolvente, havendo mesmo uma estimativa global de 1278 hectares.

A isto há que acrescentar a enorme área de 3856 hectares demarcada para a cidade aeroportuária, como se pode ver na Figura 1. Na Figura 2, com a futura cidade sobreposta sobre a carta de biótipos desse mesmo estudo, pode-se ver que esta se situará em zona onde predomina o montado.

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Ou seja: cada arruamento, escola, habitação, infraestrutura… será maioritariamente construída sobre montado.

Duzentos e cinquenta mil sobreiros a abater ou ameaçados são, pois, uma estimativa séria, baseada nos dados disponíveis e corroborada pela Achar [Associação dos Agricultores da Charneca], que gere o grupo de certificação florestal onde está inserido o CTA.

Adicione-se ainda 400 a mil hectares de montado nos corredores das rodovias de acesso a construir, conforme as variantes, e mais cerca de 50 hectares na área de implantação do futuro ramal ferroviário.

Gostemos ou não, estamos provavelmente perante o maior ecocídio de sempre, no Portugal moderno, de uma vasta população de sobreiros adultos, muitos deles centenários, e de boa saúde no geral.

É este o único atentado ambiental do projeto de Alcochete? Longe disso.

O aeroporto, e sobretudo a cidade aeroportuária, assentarão sobre o sistema aquífero Tejo-Sado, reportadamente a maior reserva subterrânea de água doce de Portugal, conduzindo à sua irremediável contaminação.

Situa-se em pleno leito da ribeira do Vale Cobrão, que tem 220 quilómetros quadrados de bacia hidrográfica, o que explica os canais para escoamento de água, entre as pistas, no seu plano diretor. Não augura nada de bom ante as alterações climáticas que tornam cada vez mais imprevisíveis enxurradas violentas, como a de 7 de dezembro do ano passado.

Muito perto estará a falha sísmica de Alcochete, causadora do terramoto de 1909 que destruiu Benavente matando 40 pessoas, o mais grave em Portugal desde o Grande Terramoto de 1755.

Os planos de 2010 previam 18 meses para neutralizar munições não explodidas, mas ninguém pode garantir que esse prazo será suficiente num campo de tiro que funciona há 120 anos, desde 1904. E menos ainda se pode prever o custo desta complexa operação.

Por fim, há indícios de que as rotas dos aviões se poderão cruzar com os percursos migratórios das aves do estuário do Tejo.

A União Europeia acaba de se tornar a primeira instituição internacional a criminalizar danos ambientais de grande escala, vulgo ecocídios.

É tempo de parar para refletir.

As exigências ambientais, de segurança e outras são hoje muito mais estritas do que há 15 anos. O projeto de Alcochete foi o mais estudado, mas fica frequentemente a impressão de que poucos leram detalhadamente esses estudos.

Um aeroporto é um projeto de enorme complexidade, em que clubites e amores fazem pouco sentido, devendo prevalecer a análise técnica global.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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