O PRR falha no ciclo urbano da água

Ao aplicar a maior fatia do investimento total previsto do PNI 2030 (20%) unicamente em três regiões no país, o PRR, restringe o seu impacto no sector da água a 8% da população.

Ouça este artigo
00:00
03:48

Foi-nos criada a ideia de que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) iria resolver os maiores problemas estruturais do nosso país e que, em 2026, Portugal seria mais resiliente, mais digital, mais sustentável, economicamente mais robusto e socialmente equitativo.

Este plano estruturou-se em três dimensões: a resiliência, a transição climática e a transição digital. E, no início, ficou estabelecida a ideia que era um plano bem pensado, salvador e que Portugal iria efetivamente ficar melhor no final da sua aplicação.

Mas não! Pelo menos não em todos os sectores. Ao analisar-se um dos sectores mais importantes dos dias de hoje – o setor dos serviços de água e saneamento verificamos que este se encontra a velocidades diferentes.

As zonas do interior do país possuem maiores dificuldades no que respeito diz à eficiência e resiliência dos seus sistemas. Ou seja, infelizmente também no sector da água, temos um país a duas velocidades. Um litoral e as grandes cidades a um ritmo ágil e um interior, mais empobrecido, a um ritmo lento.

Falamos em baixas taxas de cobertura de rede, principalmente em rede de saneamento, da existência de muitas infraestruturas degradadas e obsoletas, elevadas perdas, baixa capacidade de armazenamento de água, baixa digitalização dos serviços, baixa eficiência energética. Tudo fatores que se refletem na quantidade de água disponível e na qualidade do próprio serviço prestado à população.

Também é no interior do país que, nos últimos anos, se têm acentuado as ondas de calor mais extremas (distritos de Bragança, Vila Real, Guarda, Setúbal, Évora e Beja são os melhores exemplos). Os especialistas afirmam que é em Portugal que as alterações climáticas estão a ter maior impacto no aumento da temperatura, consequentemente levando ao aumento potencial de períodos de seca e escassez de água.

Se olharmos para estes problemas, verificamos que as respostas aos desafios se enquadram na perfeição nas três dimensões propostas do PRR e que praticamente todo o território, especialmente o interior, necessitava de ser abrangido prioritariamente por uma renovação. Um Plano de Recuperação e Resiliência não deve (nem pode) perder a oportunidade de reformar um sector crítico e perto do colapso.

No entanto, no que diz respeito ao PRR, apenas três regiões foram contempladas com financiamento o Algarve, a Madeira e o Crato (Alentejo) , com um investimento no total de 390 milhões de euros em projetos muito restritos. A necessidade destas intervenções não se coloca em causa, mas muito pouco irão resolver os problemas do setor a nível nacional, principalmente no que diz respeito à escassez de água e no aumento da resiliência das infraestruturas.

Salienta-se que os problemas estruturais do setor estão identificados e priorizados por distintos grupos de trabalho que foram criados, tal é a importância que este assunto tem. No Programa Nacional de Investimentos (PNI) 2030, o Governo já se viu forçado a inscrever algum investimento relacionados com o ciclo urbano da água. Mas é pouco, é preciso muito mais.

O PRR, ao aplicar a maior fatia do investimento total previsto do PNI 2030 (20%) unicamente em três regiões no país, restringe o seu impacto unicamente a 8% da população. Em resumo, a totalidade do investimento previsto para Portugal, além de ser inferior ao necessário, só abrange uma muito reduzida faixa da população.

Continuando por este caminho, os problemas estruturais do setor irão continuar e o país continuará a andar a várias velocidades, sem que este Governo esteja sequer sensível para a importância das reformas na gestão da água, e mais ainda para a urgência da renovação das infraestruturas de distribuição débeis, frágeis, obsoletas e desiguais entre os grandes núcleos urbanos e as regiões do interior. Perde-se assim, uma oportunidade única se nada for corrigido.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar