Cartas ao director

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Indiferença

Num dia, logo depois do 25 de Abril, vi num cartoon um diálogo entre dois cavadores algures no Portugal profundo (e que profundo ele era então) em que um perguntava: "Houve qualquer coisa lá por Lisboa? É – respondeu o outro –, parece que já não é o Marcelo/Thomaz quem lá está. Numa alusão à indiferença e alheamento do nosso povo após 48 anos em que tudo era decidido em Lisboa por um ditador e pela sua elite política, empresarial, militar e administrativa.

Volvidos outros tantos anos parece nada ter mudado. Os filhos e netos destes cavadores assistem atónitos e resignados ao que se passa em Lisboa. Agora não temos um ditador mas a teia de interesses políticos, jurídicos, financeiros e das grandes empresas mantém-se, impenetrável e monolítica, restando ao resto do país adaptar-se ao que aí é congeminado. E cada um continua “a cavar a sua vinha” o melhor que pode. Só quando as “comadres” se desentendem se lembram de nós.

José Pombal, Vila Nova de Gaia

Eleições precipitadas

O que está decidido, decidido está, mas, perante o que se sabe hoje, o primeiro-ministro até poderia ter evitado demitir-se, porque afinal um juiz de instrução criminal veio a concluir que, pelo menos por agora, as suspeitas de pressões alegadas pelo Ministério Público, e que foram imputadas ao chefe do Governo, não têm razão de ser. Assim caiu, porventura escusadamente, um governo que, independentemente dos erros ao longo de meses, vinha resistindo a sucessivas tentativas para o descredibilizar. Tópicos para a moral desta história do tipo ou vai ou racha: a nossa democracia tornou-se estranha e cheia de factos e decisões à sua volta que muitas vezes pouco a recomendam; ficou a pairar uma certa ideia de big brother, ou seja, nunca se sabe quando conversas são escutadas e lhes são dados caminhos com que a razão pouco possa lidar; que o regime está ao sabor de um castelo-de-cartas de fragilidades sempre à espreita; que o cinismo à volta dos factos gerados é capaz de pôr as instituições em risco sem dó nem piedade. No meio de toda esta panóplia de fragilidades o Governo foi abaixo e, para além do confronto entre partidos, acho que subsiste agora uma sensação, para o próximo futuro, e como resultado disto tudo, de eleições precipitadas.

Eduardo Fidalgo, Linda-a-Velha

O sindicato e o MP

O Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP) diz que é normal haver divergências entre o Ministério Público (MP) e os juízes. Eu tendo a concordar com esta afirmação, pois aquilo que devia ser excepcional passou a ser, infelizmente, considerado normal. Senão, vejamos: passou a ser normal o MP suspeitar que um ou uma presidente de câmara tenham cometido certos crimes, para depois um juiz não ver nisso qualquer crime. Passou a ser normal o MP considerar certas pessoas como arguidas para depois um juiz determinar não haver indícios fortes de corrupção, mandando esses arguidos em liberdade. Passou a ser normal o MP acusar outro presidente de câmara, tendo a juíza anulado essa acusação por falta de interrogatório e deixado críticas à actuação do MP. Passou a ser normal o MP confundir o nome do ministro da Economia com o do primeiro-ministro e com isso levar este a apresentar a sua demissão do cargo.

Não, senhor presidente do sindicato, tantos erros de uma assentada não podem ser considerados normais.

Aristides Silva, Vila Nova de Gaia

Medram os populismos

Eu podia dizer “quero lá saber, eu até nem votei PS” mas não consigo. Isto é tudo uma vergonha. Para a justiça em Portugal, o que quer que isso (ainda) seja (pouco, ou nem tanto mas perigosa), para o MP, cuja investigação faz nascer a dúvida se é dolosa, embora as fugas bem o fazem pensar, para os media ávidos de sensacionalismo e céleres a vender a alma – que não têm ou a têm suja e rota – por audiências e, finalmente, para o próprio povo que tudo come. Medram assim os populismos como vamos ver e sentir na pele em breve.

Jorge Mónica, Parede

Assim vai (mal) Portugal

A nível de ética, honra e lealdade, os casos em Portugal atingiram o ponto mais baixo do inimaginável. Hoje, mais uma vez, estamos metidos noutro lamaçal, que pensávamos impossível voltar a acontecer, uma vez que outros acontecimentos alegadamente criminosos de igual raiz em desonestidade já ocorreram, estando ainda incólumes de qualquer ónus muitos desses tais prevaricadores.

Portanto, esta operação judicial é mais uma que veio envergonhar o país. Terminamos com esta máxima do escritor António Lobo Antunes, de que “a sociedade precisa de medíocres”, para que os patos-bravos e os corruptos de eleição prosperem e façam todas as trafulhices, que nada lhes acontece, tal como muitos delituosos (donos disto tudo).

José Amaral, Vila Nova de Gaia

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