Há um esquema Ponzi à solta na mutualista do Montepio

Carta aberta à ministra da Segurança Social.

Ouça este artigo
00:00
07:10

Excelentíssima Senhora Dra. Ana Mendes Godinho

Dirijo-me a V. Ex.ª influenciado pelos encómios à sua honestidade e independência, e pela sua recente decisão face à gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, uma lufada de ar fresco na política de controlo da opinião pública através do massacre da verdade e normalização da mentira, que deixou de ser motivo de vergonha ou desonra. Dirijo-me a V. Ex.ª para assegurar que, num futuro que receio não longínquo, V. Ex.ª não evoque desconhecimento sobre o que se passa na maior IPSS financeira tutelada pelo seu ministério, a Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG) e do perigo de esbulho que dela emana para o cidadão comum.

Senhora ministra

Após 175 anos de sólida existência, a AMMG encontra-se em falência técnica e é hoje um esquema Ponzi, como reconheceram os conselheiros do Banco de Portugal. Os porquês são conhecidos, importando apenas relevar a delapidação do seu património em cerca de 2000 milhões de euros e a acção dos media a partir de 2014, denunciando as ligações entre Tomás Correia e Ricardo Salgado e que a mutualista era gerida em roda livre, sem supervisão.

O Governo, após promover as falhadas soluções das “parcerias estratégicas” do Montepio com Deus (SCML) e com o Diabo (chineses da CEFC), em 2017/18 escondeu a falência técnica com os impostos diferidos (já ascendem a € 913 milhões) e com o novo Código das Associações Mutualistas (CAM), que prometia corrigir a gestão e melhorar a democracia interna, cuja implementação só ficou concluída com a tomada de posse dos novos órgãos sociais, em 2022, um arrastar de pés ilustrativo da complacência com o desastre da mutualista.

Senhora ministra

Cinco anos após a sua promulgação, o CAM revela-se um conjunto vazio: a prometida supervisão pela ASF (Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões) não existe; o exigido Plano de Transição até 2030, rumo à gestão sã e prudente, não existe; a Assembleia de Representantes (substituiu a Assembleia Geral e o Conselho Geral) é um irrelevante clube de 30 elementos (bem pagos) do qual nada transpira publicamente; e o novo processo eleitoral só teve o mérito de expor as fraudes eleitorais anteriores, porque veio facilitá-las no futuro.

Foto
Instalações do Montepio no Porto Manuel Roberto

Em resumo: o CAM aperfeiçoou o encobrimento e reforçou a dominação. Foi preciso mudar algo para que tudo continuasse na mesma.
(As eleições de 2021, disputadas por quatro candidaturas, congregaram 24.780 eleitores em linha com os 10.000 das de 2006 , e expuseram as “chapeladas” de Tomás Correia, como a dos 84.675 votantes, em 2012. O processo eleitoral continua não auditado. O voto electrónico ocorre em plataforma informática interna e não tem autenticação individual, comum nas operações via Net. Permite acompanhar o resultado eleitoral em tempo real, durante os dias de votação, e aceder aos elementos individuais dos 95% de eleitores que não participam, votar por qualquer um e controlar o resultado final.)

Senhora ministra

A presente não visa o passado, mas o presente e o futuro, em particular o dos pensionistas da AMMG (como eu) que, em espírito previdente, lhe confiaram poupanças significativas para protegerem o final das suas vidas e que se sentem agora ameaçados. Mas também o dos que continuam a ser aliciados a manter ou a transferir poupanças para a mutualista, o que, no ano passado, lhe permitiu admitir 36.000 novos associados e angariar € 849 milhões.

V. Ex.ª sabe que a AMMG reduziu, este ano, o valor contabilístico do Banco e da Lusitânia para metade. Ou seja, reconheceu que perdeu € 1325 milhões, o equivalente a 39% dos compromissos com os associados. Enquanto gestora, V. Ex.ª sabe que uma perda desta dimensão impacta, profundamente, na cobertura das responsabilidades assumidas e que negá-lo é aldrabice. Aldrabice que é desmentida pela única entidade independente que pode legalmente ser corresponsabilizada pela informação de gestão: o auditor oficial das contas da AMMG (PwC), que nos últimos anos, na sua linguagem codificada, tem reconhecido a falência técnica, o esquema Ponzi e manifestado reservas à continuidade da operação, uma análise técnica e qualificada que V. Ex.ª e o seu Ministério não podem ignorar.

A verdade é que o património da AMMG já só cobre metade das suas responsabilidades, descontados os impostos diferidos e a gigante sobrevalorização do banco e das seguradoras.

Senhora ministra

Nos últimos 25 anos, um milhão e duzentos mil portugueses associaram-se na AMMG, uma dimensão que se reveste de carácter público e responsabiliza a tutela do Governo.

Numa década (1998 a 2007) Costa Leal e Silva Lopes , a confiança na mutualista atraíu 443 mil admissões, com 101 mil saídas. Porém, nos últimos oito anos (2015 a 2022) – Tomás Correia e Virgílio Lima –, a confiança erodiu-se, com as admissões a caírem para 271 mil e as saídas a mais que triplicarem para 308 mil, tornando a liquidez da AMMG dependente das entradas para suportar as responsabilidades, pressionando-a a aumentar a agressividade na angariação para adiar o pior.

Senhora ministra

Como bem explicou Bernard Madoff geriu o maior e mais bem-sucedido esquema Ponzi da história , a essência do “negócio” destes esquemas é a exploração da ganância dos investidores, nada interessados na origem dos seus rendimentos. V. Ex.ª sabe, também, que Madoff foi preso e o seu esquema acabou sem que alguma vez tivesse incumprido com qualquer dos seus clientes.

Para grande e abjecta ironia, o “negócio” da AMMG não é a ganância, mas a confiança que pessoas simples e previdentes têm nesta instituição e nas entidades estatais que avalizam a idoneidade do seu atendimento público, entre as quais o seu ministério. Atendimento levado a cabo pelos “102 postos da rede de gestores mutualistas focados na fidelização dos associados e retenção da base associativa”, conforme os relatórios da AMMG.

Narro dois episódios recentes da fidelização e da retenção dos associados. Num, as herdeiras de uma associada falecida ficaram atónitas ao descobrirem que esta tinha € 300.000 na AMMG. No outro, a associada hesitante quis levantar os €70.000 acabados de vencer, mas foi convencida a reinvesti-los pelo diligente funcionário. O que têm em comum estes dois episódios? Ambos foram protagonizados por idosas com mais de 90 anos.

Se a SCML, com a raspadinha, explora os pobres, a AMMG ameaça os remediados, e ambas alvejam os idosos particularmente. Temos os dois gigantes financeiros do sector social irmanados na subversão das missões que lhe deram origem.

Senhora ministra

V. Ex.ª tem a nobre missão de tutelar a solidariedade nacional, proteger os desfavorecidos e os diminuídos, num país pobre, envelhecido e de fraca literacia financeira. Agora que V. Ex.ª sabe o que se passa na AMMG, pergunto-lhe:

Avaliza o atendimento da AMMG, quando garante que tem capacidade para honrar os compromissos que assume?

  • Se sim: de que forma se reveste esse aval, é vinculativo para além da presente conjuntura eleitoral?
  • Se não: o que tenciona fazer?

Associado 28.372 da AMMG

Sugerir correcção
Ler 12 comentários