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Onde os electrodomésticos vão morrer (para se tornarem em matéria-prima)

Visitámos uma unidade de reciclagem de resíduos em Loures dentro de um novo programa para explicar às pessoas o que acontece aos resíduos depois de os deitarmos fora.

A "montanha" de material triturado no canto do armazém António Pedro Santos/Lusa
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A "montanha" de material triturado no canto do armazém António Pedro Santos/Lusa

Há uma montanha de alguns metros num dos cantos do armazém do centro da Veolia, onde uma unidade de desmantelamento e de separação de pequenos electrodomésticos está em plena actividade. Apesar do material que compõe a montanha ter passado por um processo de trituração, ainda é possível distinguir partes de teclados de computador entre muitos pedaços de plástico e de metal mais ou menos indistintos.

O plástico é dos materiais menos valiosos para a reciclagem que vão sendo destrinçados, separados e acumulados a partir de pequenos electrodomésticos e outros electrónicos como torres de computadores, aspiradores, ferros de engomar, modems de internet e televisão, comandos de televisão, carregadores, varinhas mágicas, torradeiras, Black and Deckers, telefones de casa, impressoras, nesta unidade do Centro Operacional de Resíduos da Veolia, em Santo Antão do Tojal, em Loures, que abriu a porta na sexta-feira de manhã para a visita de alguns órgãos de comunicação.

Mas há ouro, prata, ferro e outros metais mais valiosos do que o plástico que podem ser retirados de alguns daqueles objectos dispensados pelos consumidores e pelas empresas e que chegaram ali, a maioria graças à rede de recolha do Electrão, uma das entidades gestoras portuguesas do sistema integrado de gestão de resíduos de equipamento eléctrico e electrónico (REEE).

A visita é o arranque do programa Electrão Open Day, com o mote: “Não saber mais sobre reciclagem é um desperdício.” Nos próximos meses, várias unidades de reciclagem vão estar abertas a diversos tipos de público “para ilustrar o que acontece aos resíduos depois de serem colocados nos pontos oficiais de recolha, sejam embalagens, pilhas ou equipamentos eléctricos usados”, explica um comunicado do Electrão.

Mal se entra no armazém (um dos vários edifícios daquele centro), é possível ver trabalhadores a desparafusar e a retirar os circuitos integrados dos modems, que têm metais valiosos. “São componentes delicados que não podem ser triturados”, explica Pedro Bonito, o responsável comercial da Veolia que nos guia não só pelo recinto, mas também pela lógica do que se passa ali. “Estas placas têm pequenas quantidades de materiais. Precisamos de recolher muitas quantidades para serem sujeitos a tratamento e recuperação daqueles materiais. Aí vão valer [dinheiro]”, acrescenta.

Não há reciclagem de materiais naquele centro da Veolia, as peças são desmanteladas, agrupadas por material e condicionadas para irem para outras entidades gestoras de resíduos capazes de fazer a reciclagem.

No armazém, o material mais nobre e que precisa de mais cuidado, como as torres de computador, é tratado manualmente pelos trabalhadores, que separam circuitos integrados de metal, metal de plástico, etc. A separação e desintegração de objectos menos nobres são feitas com a ajuda de máquinas que trituram o material ou usam magnetismo para separar parte dos metais. Mas há, ainda assim, trabalhadores de mãos ágeis que vão ajudando a recolher e separar material nos dois tapetes rolantes que se encontram no armazém.

É assim que fica preenchido um grande contentor de plástico com cabos que pertenciam a antigos electrodomésticos e outros electrónicos. “Os cabos são encaminhados para uma unidade que descarna o cabo e separa o cobre do plástico”, explica Pedro Bonito.

“Estes resíduos são um produto como outro qualquer. Entramos numa lógica de valorização”, explica ao PÚBLICO Sandra Silva, directora de resíduos da Veolia. “Não têm que ser visto como um resíduo que ninguém quer”, diz a responsável, que defende que tanto consumidores e empresas devem trabalhar no mesmo sentido para aumentar a quantidade de material recolhido por empresas como o Electrão.

“Há três milhões de toneladas de resíduos urbanos que são enterradas no subsolo português todos os anos”, recordou por sua vez Pedro Nazareth, director-executivo do Electrão, antes da visita, durante uma apresentação aos jornalistas, alertando para o material desperdiçado que poderia ser reciclado e usado na transição energética – como o lítio das baterias dos telemóveis – e avisando também do risco de “esgotamento da capacidade dos aterros” que existem em Portugal.

Outra mensagem importante é a necessidade da diminuição de consumo para haver também uma diminuição de resíduos que têm de ser reciclados. Sandra Silva defende a importância desse esforço tanto no sector industrial como a nível dos consumidores.

O passeio pela unidade torna essa urgência compreensível. Ali, tudo se multiplica. Há um enorme saco cheio de telefones de casa, um contentor com comandos de televisão. Fora do edifício acumulam-se frigoríficos e máquinas de lavar roupa, que não são tratadas naquele centro. A proporção do lixo que se produz rapidamente se torna avassaladora.

Há situações particularmente gritantes, como nos mostra Sandra Silva, como um contentor cheio de carregadores com o cabo ainda enroladinho e apertado com uma tira de plástico, por abrir. “Isto nunca foi utilizado”, diz a responsável, com indignação. “É urgentíssimo a estandardização dos carregadores. E a separação da sua venda. Não preciso de comprar um carregador sempre que compro um aparelho.”

Duas trabalhadoras separam material
Duas trabalhadoras separam material António Pedro Santos/Lusa
Um trabalhadora desmantela placas de computador
Um trabalhadora desmantela placas de computador António Pedro Santos/Lusa
Telefones sem fio acumulados
Telefones sem fio acumulados António Pedro Santos/Lusa
Um vista geral do armazém
Um vista geral do armazém António Pedro Santos/Lusa
Duas trabalhadoras separam material
Duas trabalhadoras separam material António Pedro Santos/Lusa
Um Black&Decker, um teclado de computador e um ferro de engomar
Um Black&Decker, um teclado de computador e um ferro de engomar António Pedro Santos/Lusa
Um trabalhador a desmantelar um <i>modem</i>
Um trabalhador a desmantelar um modem António Pedro Santos/Lusa
Material originado do equipamento eléctrico e electrónico que chega ao centro
Material originado do equipamento eléctrico e electrónico que chega ao centro António Pedro Santos/Lusa
Um trabalhador separa um material
Um trabalhador separa um material António Pedro Santos/Lusa
Um conjunto de máquina de lavar roupa para a reciclagem
Um conjunto de máquina de lavar roupa para a reciclagem António Pedro Santos/Lusa